Um homem, dois cavalos, 12 nações e 16 mil quilômetros para encarar a volta para casa. O objetivo: realizar um sonho.

Inspirado na aventura do suíço Aimé Tschiffely, que partiu a cavalo de Buenos Aires com destino aos Estados Unidos em 1925, o jornalista e cowboy brasileiro Filipe Masetti Leite, 25 anos, decidiu partir de Calgary, no Estado de Alberta, Canadá, rumo ao sítio de sua família em Espírito Santo do Pinhal, no interior de São Paulo. A viagem, que começou no dia 8 de julho, deve durar quase 800 dias e atravessar e dois hemisférios. Filipe reside no Canadá e trabalha em uma produtora. “Meu pai amava a história do Tschiffely”, diz Filipe. “Na minha infância ouvi várias vezes ele contando sobre ela e me apaixonei pela saga”, diz. Segundo Filipe, a paixão de seu pai, Luis Leite, por cavalos é tanta que até o seu nome é uma homena- gem. O significado de Filipe é “amigo dos cavalos”. “Antes mesmo de eu começar a andar, estava em cima de um cavalo.”

Cowboy desde criança: no sítio da família, em espírito santo do pinhal, com o pai, Luis Leite, Filipe aprende a cavalgar

Foi embalado pelo ritmo das cavalgadas de infância que Filipe deixou as arenas de rodeio da Calgary Stampede, a maior festa de peão do mundo, no início de julho. Até o fim deste mês, o cboy já terá percorrido quase 800 quilômetros pelas montanhas rochosas do maior Estado americano, Montana, passando por Augusta e Wyoming. “Augusta é uma cidade bem legal, cheia de cowboys”, diz Filipe. “Me identifiquei na hora.” Até agora, a rotina de Leite tem sido acordar entre seis e sete da manhã, tratar dos cavalos, tomar café, a convite de algum morador local, arrear os animais e cair na estrada. “Sempre deixo os cavalos pasta- rem enquanto ando à beira da estrada, e na hora do almoço paro por 30 minutos ou uma hora”, diz. “Saio de manhã sem saber onde vou passar a noite. Essa é a parte mais legal da jornada.”

E haja fôlego para a aventura. Afinal de contas, no percurso traçado por Felipe, ele deverá se deparar com muito sol, chuva, neve e tempestades. É no lombo dos cavalos da raça quarto de milha, o alasão Bruiser, de cinco anos, que ganhou de presente do Copper Spring ranch, e o palomi- no Frenchie, de nove anos, doado pelo Stan Weaver Quarter horses, de Montana, que Filipe vai dividir também as agruras da viagem. “O Copper Spring ranch e a Associação do Quarto de Milha, em Montana, gosta- ram da ideia e doaram os cavalos para mostrar a força de seus animais”, diz.

De acordo com Filipe, quando o dia começa a cair, por volta de 16 horas, é hora de procurar uma fazenda para repor as energias. “Conto minha jornada e pegunto se posso passar a noite lá com os cavalos”, diz. “Senão, acampo em algum
lugar que tenha árvores e água.” À noite, Bruiser e Frenchie comem feno de alfafa e, eventual- mente, ração. Na bagagem do cavaleiro, uma porção de arroz e um pequeno forno, além de pão e pasta de amendoim, são suficien- tes para garantir alguma energia. “É fácil e barato”, diz. Mas, Filipe afirma que pão com pasta de amendoim só em caso de emergência. Normalmente, ele é convidado a se alimentar nas casas onde consegue abrigo. Em Montana, onde estava no início do mês, a especialidade é carne bovina, produzida nas próprias fazendas. “O que comi de mais diferente até agora foi carne de alce, que eles tinham caçado”, diz. “Bem gostosa.”

Ao longo do trajeto Canadá- Montana, Filipe diz ter encontrado muita hospitalidade e calor. “Eu fico no sol o dia todo com os cavalos, pois não se encontra uma árvore”, diz. “Os carros também tornam a viagem perigosa, passam ao meu lado a 100 quilômetros por hora.” Os menos apressados e curiosos, segundo o cowboy, param na estrada para fotografar e ainda oferecem-lhe água e dinheiro. “Um senhor me parou, me deu US$ 20 e falou que sempre sonhou em fazer uma viagem a cavalo, mas nunca teve coragem”, lembra. “Agora vai planejar.”

Filipe passa, além de Montana,pelo Colorado, Novo México, México, guatemala, honduras, Nicarágua, Costa rica e Panamá, onde seguirá de balsa para a Colômbia. Em seguida, a galope, o aventureiro à la Tschiffely, atravessará o Equador e o Peru, onde, finalmente, cruzará a fronteira do Brasil, pelo Acre. “dai é Acre, rondônia, Mato grosso, Mato grosso do Sul, e finalmente São Paulo”, diz. Antes de chegar a Espírito Santo do Pinhal, Filipe deve passar, ainda, por Barretos, na região de ribeirão Preto, considerada a capital brasileira da festa do peão de rodeio. A poeira dos 12 países, que Bruiser e Frenchie vão carregar nos cascos, até Espírito Santo do Pinhal, fica por lá. de acordo com Leite, em 2014, os equinos vão ter a vida que pediram a Deus. “muito amor, cenoura, pasto e água fresca”, diz. Os animais serão presente de Filipe para sua irmã mais nova, Izabella, 6 anos. “depois vou transformar a minha viagem em um documentá- rio de longa-metragem e um livro”, afirma. “E virar história como a de Aimé Tschiffely.”

Em 1928, três anos após haver deixado Buenos Aires para trás, o cavaleiro suíço galopou nos Estados Unidos. desfilou a cavalo na Quinta Avenida, em Nova York, fazendo o trânsito parar. Foram 21,5 mil quilômetros per- corridos num acidentado percurso que incluiu atravessar a Cordilheira dos Andes.