No hotel Fasano do Rio de Janeiro, um sofisticado cinco-estrelas na praia de Ipanema, uma imensa tora de madeira esculpida serve como balcão de recepção dos hóspedes. Já no Emiliano, outro exclusivo hotel, mas na capital paulista, uma tora também está logo na entrada para servir de banco. Ainda em São Paulo, no premiado restaurante D.O.M, do chef de cozinha Alex Atala, o que chama a atenção é uma mesa cujo pé é um tronco de árvore retorcido. É possível também ver o mesmo tipo de móvel na loja Havaianas, na badalada rua Oscar Freire, e ainda bem longe dali, na loja da grife francesa Louis Vuitton, em Macau, na China. O que liga todos esses objetos expostos em lugares distantes um do outro é a arte do agrônomo Cristiano Ribeiro do Valle, 40 anos, que largou seu ofício de formação para se tornar um designer. Isso em 2003, quando Valle decidiu criar a marca Tora Brasil. “Desde muito jovem fiquei dividido entre a arquitetura e a agronomia”, diz ele, formado pela Esalq-USP, uma das mais tradicionais faculdades de agronomia do País. “Na época acabei escolhendo a segunda opção, mas mantive a paixão pelo desenho.”

Valle abandonou a agronomia, mas não o campo.  A inspiração para os móveis que cria vem de sua experiência profissional em uma fazenda de pecuária na região de Paragominas, no Pará. Ele conta que na época começou a reparar na grande quantidade de toras abandonadas na região. Foi esse contato com as madeiras amazônicas que fez surgir nele a ideia de criar os móveis e os objetos de decoração. “Conta também o incentivo de minha família, que também é interessada em decoração”, diz ele. “Especialmente minha mãe, depois de ter passado um tempo em Nova York.”

Assim surgiu em São Paulo a empresa especializada na produção de móveis de madeiras da Amazônia, além de um ateliê e fábrica instalados no município de Vinhedo, próximo à capital paulista. Ele conta que já vendeu cerca de dez mil peças, como mesas, balcões e bancos, a sete mil clientes.

Valle desenha a maioria das peças que produz, levando em conta as imperfeições da madeira. E é justamente por conta delas, as imperfeições, que as toras utilizadas por ele não interessam à indústria convencional e acabam se tornando peças únicas. Um móvel projetado pelo designer pode custar até R$ 50 mil. “Cada tora serve a um móvel específico. Cada ida à Amazônia é uma garimpagem única, embora haja peças que desenhamos e depois procuramos a tora ideal para produzi-las”, diz Valle. Da natureza são retiradas somente o que ela descarta, como  toras de ipê, cedro, jatobá, angelim e pequiá.


“O potencial de certificação ainda é enorme  nas florestas nativas brasileiras” Aline tristão Bernardes, diretora-executiva da FSC-Brasil

Para comprar a matéria-prima, ele costuma viajar três vezes ao ano para o Norte do País, onde visita áreas de manejo florestal. No mês passado, Valle esteve na região do Baixo Amazonas, no Oeste do Pará, onde adquire a madeira. “É um trabalho de pesquisa de campo, até conseguir aquelas que me interessam”, diz ele. Em geral, Valle visita três áreas de manejo, em regiões distintas da Amazônia.

Para colher a madeira de modo sustentável e ambientalmente correto, desde 2007 o designer é filiado ao  Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC Brasil, na sigla em inglês), um sistema de certificação reconhecido mundialmente. Assim, todas as toras utilizadas por ele saem de sua loja com um histórico de procedência, com o qual é possível localizar de onde aquela madeira foi retirada. Valle faz parte do conselho econômico da entidade. “É importante que as pessoas comprem móveis de madeira certificada”, afirma. “Isso vale para todos os setores madeireiros.” Um estudo feito pela Bolsa de Valores Ambientais do Rio de Janeiro (iBVRio) estima que cerca de 70% dos produtos madeireiros que saem da Amazônia, algo próximo de 13 milhões de metros cúbicos por ano, têm origem em operações ilegais.

Em todo o País, a FSC Brasil certifica 1,2 milhão de hectares de florestas nativas e cinco milhões de hectares de florestas plantadas. De acordo com Aline Tristão Bernardes, presidente da entidade, a área nativa da região Amazônica é explorada por 18 grupos de manejo, entre empresas e cooperativas. O total de área possível de certificação na região é de 1,8 milhão de hectares, mas o governo federal pretende elevar a área para cinco milhões até 2020.  “O potencial de certificação ainda é enorme no Brasil”, diz ela. O selo de procedência acompanha menos de 1% do que é possível monitorar de floresta nativa.
Mas ele não é fácil de ser obtido.Hoje, as regras para chegar ao selo do FSC Brasil são mais rígidas do que prega a própria legislação ambiental do País. É preciso comprovar que a madeira não foi extraída ilegalmente, não é de plantação geneticamente modificadas e que não houve violações a direitos civis e ambientais no local de onde ela foi retirada. Também não é permitida madeira de florestas com alto valor de conservação. Nessas áreas, de três a cinco árvores podem ser colhidas por hectare, sendo que esse hectare somente será explorado novamente 30 anos depois. “Para dar confiança ao processo, a entidade fiscaliza toda a cadeia produtiva”, afirma Bernardes. Vai da colheita da madeira no campo, até ela chegar ao consumidor, como as peças da Tora Brasil.