PROPAGANDA: Lula elogia o agronegócio no lançamento do Plano Agrícola em Curitiba

Uma atmosfera nada habitual marcou o anúncio do Plano Agrícola e Pecuário (PAP) 2008/09. Pela primeira vez, o evento aconteceu fora de Brasília. A cidade escolhida foi Curitiba, que assistiu a um feito inédito: os ministérios da Agricultura, do Planejamento e da Fazenda apresentaram opiniões convergentes. “Não há mais conflito entre agricultura e a área econômica”, comemorou Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura. Já o presidente Lula salientou a importância do Brasil como celeiro do mundo, ressaltando a produção nacional como resposta não só para a crise de abastecimento interno, mas para o controle dos preços das commodities internacionais. Neste ambiente, foi anunciado o plano agrícola cuja “meta” é aumentar a produção em 5%, atingindo a marca de 150 milhões de toneladas. Os recursos são de R$ 78 bilhões, sendo R$ 65 bilhões de crédito rural e R$ 13 bilhões direcionados à agricultura familiar, a grande responsável pela produção de produtos como hortaliças e feijão. Em linhas gerais, são R$ 8 bilhões a mais que o disponibilizado no ciclo 2007/08. O setor, no entanto, não gostou de ter sido usado pelo presidente como propaganda, porque não há garantias nem que o objetivo do governo irá se concretizar, nem que a crise de abastecimento interno será resolvida, tampouco que haverá excedente de produção para exportar e controlar os preços internos. “O governo fez muita propaganda, mas o valor diminuiu. Aumentou nominalmente, mas os custos de produção da soja, por exemplo, aumentaram 25%. Se o acréscimo de recursos foi de 11%, então a verba diminuiu”, argumenta José Vicente Ferraz, diretor do Instituto FNP. Além disso, os preços mínimos anunciados para o trigo, o milho e o arroz ficaram tão abaixo das médias de preços atuais que dificilmente será necessário recorrer às vendas oficiais para aumentar os estoques, conforme anunciou o presidente Lula. “É como se essa política não existisse”, diz Ferraz.

A demanda só do setor empresarial era de R$ 110 bilhões. Mas o anúncio foi de R$ 65 bilhões, dos quais apenas R$ 45,4 bilhões com juros controlados de 6,75% ao ano. “É um distanciamento muito grande da realidade. O que nos preocupa é a complementação. Se ela se der através de fornecedores será o caos e a agiotagem poderá se fazer presente no Brasil novamente”, diz Carlos Sperotto, presidente da comissão de crédito rural da Confederação Nacional de Agricultura (CNA). Outro aspecto repudiado foi a diferença entre os juros da agricultura familiar (2% ao ano) e do segmento empresarial ( 6,75% ao ano). “Por que essa diferença, se o preço dos fertilizantes e dos combustíveis é o mesmo para ambos?”, questiona. Para Stephanes, este é um modelo que vem dando certo. “Oitenta por cento da agricultura no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul é familiar e está vinculada ao agronegócio via cooperativas. Não podemos contemplar a todos com esta taxa; então damos a um grupo significativo”, diz.

A defesa do governo

Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura, defende mudanças a logo prazo

RURAL – O setor reclama que o plano tem um caráter emergencial e salienta a necessidade de uma política de longo prazo…

STEPHANES – Deixei claro que deveríamos lançar um plano sem perder a visão estratégica. No próximo ano, teremos o último plano anual. Começaremos a ter planos qüinqüenais para definir ações de médio e longo prazo.

RURAL – Outra queixa é que a verba ficou aquém da demanda…

STEPHANES – Fizemos dentro daquilo que foi possível.

RURAL – Quanto ao seguro rural, a dificuldade apontada é em função de ele não contemplar faixas de produtividade por agricultor…

STEPHANES – Eles têm razão. Isso só vai ser equacionado depois da aprovação da Lei do Fundo de Catástrofe. Por enquanto, vamos ter de conviver com as imperfeições.

RURAL – Qual a explicação da taxa de juros diferenciada para agricultura familiar e agricultura empresarial?

STEPHANES – Essa é uma política que vem dando certo. No Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, 80% da agricultura é familiar, com alta tecnologia, vinculada ao agronegócio através de suas cooperativas. Já que não podemos dar a todos essa taxa, damos a um grupo expressivo.

RURAL – O plano nacional de fertilizantes recebeu elogios, mas os agricultores dizem que ele chega atrasado…

STEPHANES – Não há uma solução a curto prazo. Infelizmente não pensamos nisso há dez anos. Os adubos implicam entre 30% e 40% dos custos. Somos altamente dependentes da importação e os fertilizantes têm aumentado de preço por conta da demanda, da especulação e por estarem sob o controle de poucos fornecedores no mundo. Fizemos uma análise profunda de mercado interno e externo, mas só vamos ter um programa para tornar público no final do ano. Podemos ser auto-suficientes em nitrogenados, em derivados do fósforo e podemos melhorar nossa condição em potássio.

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Na opinião de Ferraz, o problema é a ausência de uma política agrícola efetiva. “Ótimo, vamos aumentar a produção, mas precisamos saber como vamos transportar isso. Cinco milhões de toneladas a mais são 250 mil carretas carregadas de grãos. Vamos transportar isso em cima de pneu?”, indaga. Segundo o diretor, o impasse está na confusão entre política de crédito e política agrícola. “Faltam soluções planejadas de infra-estrutura em longo prazo. Trabalhamos com planos emergenciais como se o País fosse acabar amanhã”, diz. Neste aspecto, o ministro declarou que os planos anuais, a partir do próximo, devem ser substituídos por planos qüinqüenais. “O objetivo é traçar estratégias de médio e longo prazo”, explica. Outra reclamação é a dificuldade de acesso ao crédito, o que faz com que todo ano sobrem bilhões. “Esta crítica eu passo à rede bancária, que deveria ser mais aberta ao condicionar estas questões”, diz Stephanes.

As reclamações do setor

Duarte Nogueira, deputado federal pelo PSDB-SP e representante da bancada ruralista, diz que medidas foram insuficientes

RURAL – Qual sua análise a respeito do plano agrícola?

NOGUEIRA – Ele traz ampliações, mas ficou aquém das necessidades da agricultura brasileira no que diz respeito à meta do governo de fazer do Brasil um pólo de produção de alimentos para garantir o abastecimento interno, a regularidade dos preços e gerar excedentes exportáveis para abastecer o resto do mundo.

RURAL – Os recursos foram suficientes?

NOGUEIRA – Não. O necessário seria duas vezes e meia o valor anunciado. Novamente os agricultores terão que pegar financiamento a juros não controlados e ficar dependendo das relações com as traders e fornecedoras de insumos.

RURAL – E quanto ao seguro rural?

NOGUEIRA – Houve avanço, mas temos que correr para aprovar o Fundo de Catástrofe. O seguro generaliza todas as culturas, criando uma variação muito pequena de subvenção entre uma e outra, o que acaba não sendo interessante para induzir política agrícola, porque você poderia usar o seguro como um instrumento de estímulo, tornando-o menos oneroso.

RURAL – O que diz sobre a diferença de juros entre agricultura empresarial e familiar?

NOGUEIRA – Acaba acontecendo uma transferência de renda de um setor para o outro. Com isso você não está estimulando o aumento da produção. Além disso, a construção civil paga uma taxa de juros menor que um produtor, que tem maiores riscos.

RURAL – E quanto ao Plano Nacional de Fertilizantes?

NOGUEIRA – Excelente, mas na época errada, porque a safra está sendo plantada agora. O plano devia ser implementado agora. Faz um ano que o preço dos fertilizantes está aumentando e o governo sabia disso. A medida de ampliar a oferta para reduzir o custo é positiva, mas tardia, porque no final do ano praticamente toda safra brasileira já vai estar plantada.

O seguro rural é outro calcanharde- aquiles. No PAP 2008/09, foram destinados R$ 160 milhões, mas o problema é que ele continua sem fazer distinção entre faixas de produtividade. “Ele generaliza todas as culturas, criando uma variação pequena 25 de subvenção entre uma e outra”, diz o deputado federal Duarte Nogueira (PSDB-SP), da bancada ruralista. “A questão do seguro rural será equacionada depois da votação do Fundo de Catástrofe. Por enquanto, vamos ter que conviver com imperfeições”, diz Stephanes. No momento, o projeto de lei para a criação do fundo está em tramitação no Congresso Nacional. Sobre a MP da renegociação da dívida, defendida pelo presidente Lula como forma de eliminar os “penduricalhos”, governo e representantes de classe têm opiniões divergentes. “Ela atinge entre 70% e 80% das necessidades”, diz o ministro. Já Sperotto argumenta: “Uma MP que acolhe mais de 500 emendas está com um alinhamento distante do qual deveria ter saído.” Para Nogueira, o agravante é que o teto para financiamento continua o mesmo e muitos produtores, por ainda não terem quitado as dívidas, não conseguem novos créditos. “É preciso uma reestruturação a longo prazo”, diz.

O lado positivo do plano foi o fim da taxa flat do Moderfrota, o apoio à Embrapa, o financiamento para a recuperação de áreas degradadas, o aumento de crédito para a agricultura familiar e o plano nacional de fertilizantes previsto para o final do ano. Mas, quanto ao último, Nogueira faz ressalvas: “É excelente, mas na época errada, porque a safra está sendo plantada agora.”