O presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, provocaram um desconforto na diplomacia quando proferiram, em agosto de 2019, ofensas a Brigitte Macron, mulher do presidente da França. Era o auge de uma crise com Emmanuel Macron, que criticava o Brasil pela onda de queimadas na Amazônia e por ignorar compromissos ambientais. Quase um ano depois, uma homônima da primeira-dama francesa entra na rota da disputa política internacional travada entre os dois governos.

Aos 62 anos, Brigitte Collet desembarca em Brasília para ocupar o posto de embaixadora, na condição de um dos nomes mais experientes do Quai d’Orsay, a pasta dos negócios estrangeiros do país europeu. É o contraponto do bolsonarismo em pessoa. A diplomata francesa tem um currículo que causa preocupação no Itamaraty do chanceler Ernesto Araújo. Collet desenvolveu uma carreira ligada a debates sobre feminismo e direitos humanos. Mas a especialização dela, mesmo, é na área de meio ambiente e direito internacional. Antes de ocupar a sede da embaixada, a poucos quilômetros da Praça dos Três Poderes, um prédio de concreto armado, cercado de verde, a diplomata foi a principal negociadora da França nas Nações Unidas para acordos sobre mudanças climáticas.

Nos fóruns internacionais, Collet é reconhecida como uma “embaixadora do Clima”. A diplomacia francesa tem mais dois representantes considerados autoridades na área ambiental e um quarto embaixador apenas para os “oceanos”. Ela acumula passagens pelo comando das embaixadas da Noruega e da Etiópia.

Também representou a França junto à União Africana, nos Estados Unidos e no Marrocos e ocupou postos em organismos multilaterais em Viena e Nova York. Formada na Escola Nacional de Administração, está no último posto da carreira no Ministério de Europa e Assuntos Estrangeiros.

Pelas orientações e pelos discursos de Macron, a representante da França no Brasil deverá ser uma vigilante qualificada, e in loco, para monitorar, durante a pandemia do novo coronavírus, a atuação do presidente brasileiro e de seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que defendeu “passar a boiada” sobre as regras que protegem a biodiversidade, em especial na Amazônia. Até agora, Brigitte Collet tem buscado a discrição. Ela procura distensionar o clima beligerante que marca a relação entre Bolsonaro e Mácron.

Viva a amizade

Sem dar sinais claros sobre o que vai fazer com a “boiada” de Ricardo Salles, Bolsonaro está diante do risco de um triunfo de Macron contra a entrada em vigor do acordo de livre-comércio do Mercosul com a União Europeia. Por vias das dúvidas, o Itamaraty se desdobra nos convescotes à nova embaixadora, desde que o Quai d’Orsay anunciou que ela tinha jogado nas malas seus tailleurs nas cores da bandeira francesa e as roupas e os adereços que remetem à natureza para se mudar para Brasília.

Ainda na França, o embaixador Luís Fernando Serra, um dos mais aguerridos bolsonaristas da diplomacia brasileira, ofereceu a Collet, dia 22 de maio, um almoço na residência oficial em Paris. Estavam lá os embaixadores Frédéric Doré, diretor de Américas e Caribe do ministério francês, e Philippe Lecourtier, presidente do conselho de administração da Câmara de Comércio do Brasil na França.

No dia 28 daquele mês, já no Brasil, a embaixadora levou ao Itamaraty uma cópia de suas credenciais. Pelo protocolo diplomático, seria recebida pelo secretário-geral das Relações Exteriores, embaixador Otávio Brandelli, mas o próprio chanceler Ernesto Araújo decidiu recebê-la. No último dia 14, data nacional francesa pela queda da Bastilha, Araújo gravou um vídeo de homenagem, em francês, e divulgou nas redes sociais. Chegou a entoar a Marselhesa, aquele hino que a torcida da Seleção Brasileira se acostumou a ouvir antes de derrotas trágicas nas Copas de 1986, 1998 e 2006. “Aqui no Brasil, acreditamos profundamente que o tempo da Nação não se esgotou, que a era do sentimento patriótico como fonte de liberdade, criatividade e democracia ainda estão conosco”, disse. Brigitte Collet respondeu no estilo francês. “Viva a amizade”, escreveu.

Feminismo

De semblante sempre sério, ela não esconde, porém, ter experiência em ambientes ainda dominados por homens. Nos fóruns internacionais de mudanças climáticas, defendeu maior presença feminina. Recentemente, celebrou uma marcha feminista na França, em que a “fraternidade” deu lugar a outra palavra de ordem do movimento, numa adaptação do lema da Revolução Francesa. “Liberdade, Igualdade e Sororidade”. E também destacou a premiação recebida pela comandante Carla Araújo, oficial do Exército Brasileiro reconhecida como conselheira militar de gênero na missão das Nações Unidas para manutenção da paz na República Centro-Africana.

Nas únicas duas mensagens que divulgou até agora no Brasil, a embaixadora afirmou que a relação entre Brasil e França é marcada por uma “fascinação” cultural mútua, “dinamismo” econômico e pela fronteira comum, do Amapá com a Guiana Francesa. Ela prometeu “empenho” para reforçar a aliança e aprofundar as trocas e parcerias, em tom protocolar. O discurso aliviou o clima de tensão e expectativa no Itamaraty por sua indicação. A equipe de Ernesto Araújo, segundo uma fonte, disse que seu antecessor, Michel Miraillet, “não deixou saudades”.

Ao receber as credenciais de Bolsonaro no Palácio do Planalto, um rito da diplomacia, no dia 18 de junho, Brigitte Collet parecia pouco à vontade. Pelas imagens divulgadas do encontro, a embaixadora evitou sorrisos. Já o presidente aparentou tentar quebrar o gelo, com seu jeito informal. O diálogo foi breve, mas diplomatas brasileiros interpretaram que ela pareceu sensível à ideia de se aproximar. Coincidência ou não, Bolsonaro também recebeu na cerimônia a nova embaixadora vietnamita, Pham Thi Kim Hoa. Paris colonizou o Sudeste Asiático – o Vietnã se tornou independente em 1954, após a guerrilha do Viet Minh derrotar a França em Dien Bien Phu.

A auxiliares e diplomatas, Collet afirma ter chegado a Brasília em um momento delicado, pela crise sem precedentes da covid-19. E, ao contrário do que prega Bolsonaro, orientou os franceses residentes a terem cuidado e tentarem, ao máximo, manter o “confinamento” e o “teletrabalho” em casa, evitando viagens pelo País. Afirmou que as autoridades francesas estão conscientes da situação no Brasil. Ela recomendou que sua equipe mantivesse a “disciplina” que ajudou Paris a superar o auge da pandemia.

Mesmo diante da crise na saúde, ela se movimenta, não necessariamente nos salões bolsonaristas. Já se encontrou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário do Planalto, numa visita de cortesia. Também participou de videoconferência com o parlamentar e embaixadores da comunidade europeia. A embaixada prestou ajuda a outras esferas de governo para combater a covid-19 e promete doar recursos ao governo federal para ajuda. A Agência Francesa de Desenvolvimento anuncia que pretende ser um motor da “transição ecológica e social” do Brasil. Já foram repassados R$ 18 milhões à prefeitura de Manaus, um dos municípios mais atingidos pela doença, e aos governos do Amapá, do Amazonas e do Distrito Federal, com doações de alimentos e itens de primeira necessidade, equipamentos hospitalares e de transporte de pacientes. Uma das preocupações iniciais de Collet é o avanço da covid-19 do Brasil para a vizinha Guiana Francesa.

Acordo

A embaixadora está entre dois governos sob pressão na área ambiental. Se por um lado Bolsonaro enfrenta uma forte reação de fóruns internacionais e setores exportadores, por outro, Macron viu os adversários verdes avançarem nas recentes eleições municipais francesas. Ele se esforça em discursos em que promete trabalhar em fóruns multilaterais para punir políticos responsáveis pela destruição ambiental no Tribunal Penal Internacional. No mês passado, Macron voltou a falar no “ecocídio” e lembrou ter sido um dos primeiros a defender a tipificação desse crime no momento em que a Amazônia queimava, numa referência ao governo brasileiro.

Desde a eleição de Bolsonaro, a França pressiona o Brasil para cumprir o Acordo de Paris. Diplomatas, contudo, entoam a crítica de que a França é um dos países mais protecionistas e que se rende ao lobby ruralista no seu parlamento.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.