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A agricultura brasileira pode estar diante de uma das maiores distorções da história da luta pela terra. De um lado, nada menos do que 26 municípios que podem virar uma enorme reserva indígena, com mais de dez milhões de hectares, numa das áreas mais ricas de Mato Grosso do Sul. Do outro, a Funai, que tenta alocar 42 mil índios, principalmente da etnia guarani, nesse pedaço de chão. Entre ambos um imbróglio jurídico e político que está apenas começando. A confusão começa com a assinatura do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Funai, cujos itens previam a demarcação de terras indígenas. Para tanto, rea autarquia baixou seis portarias criando seis diferentes grupos técnicos, para que se iniciassem as demarcações. A exemplo da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, ainda não se sabe se a pretendida reserva será contínua ou em ilhas. “Tenho a impressão de que a Funai e o Ministério Público combinaram essa ação”, desabafa o pecuarista Eduardo Riedel, vice-presidente da Federação Agrícola do Mato Grosso do Sul (Famasul).

A bronca de Riedel é fundamentada em dois pilares: primeiro porque o TAC assinado entre MPF e a Funai não levou em conta os 700 mil moradores dessa região. Segundo porque as vistorias começaram sem que nenhuma entidade de classe, produtor ou proprietário de terra fosse citado. “Eles simplesmente batiam na porta das pessoas e falavam que tinham de fazer uma vistoria porque as terras seriam desapropriadas, o que começou a gerar um pânico generalizado”, explica.

A ação da Funai gerou uma reação por parte dos produtores. A Famasul entrou com um pedido de liminar para suspender as vistorias até prévia notificação de todos os proprietários. No dia 8 de agosto, o juiz federal substituto Clorisvaldo Rodrigues dos Santos concedeu o pedido e, liminarmente, determinou que o administrador regional da Funai suspendesse as vistorias até que os proprietários sejam notificados das mesmas.

CANETADA: juiz federal concedeu liminar contra vistorias sem notificação prévia

Mas, de acordo com o diretor de assuntos agrários da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Josiel Quintino, o problema jurídico envolvendo a Funai extrapola a liminar concedida em favor dos agricultores sul-mato-grossenses e vai para o campo da competência. “A Funai é uma entidade que cuida de interesses privados (dos índios), ela não pode ter a prerrogativa de fazer as demarcações”, analisa.

Quintino vai mais longe: ele aponta a ação direta de grupos internacionais nessas ações. “Há muitas ONGs internacionais que fomentam esse tipo de demarcação e todos sabem que elas são ligadas a grupos europeus contrários ao desenvolvimento agropecuário do Brasil”, denuncia. Segundo ele, a bancada ruralista, com apoio da CNA, estuda a propositura de uma “CPI da Funai” para investigar, segundo ele, “uma onda de criação de reservas por todo o País”.

Quem também não está contente com a história é o governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDBMS). Até o fechamento desta reportagem, o governo daquele Estado não tinha sequer sido citado por quem quer que seja. Mesmo correndo o risco de perder 30% do PIB e território. Puccinelli esteve reunido com o ministro da Justiça, Tarso Genro, e com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de apresentar o problema. Contudo, até o momento, não há um parecer definitivo do alto escalão do governo. A criação de uma reserva dessa magnitude colocaria por água abaixo os planos de erradicação da febre aftosa, segundo análise daquele governo.

MARCHA: produtores de Mato Grosso protestam contra criação de novas reservas

Em nota, a Funai respondeu que “os grupos de trabalho são responsáveis apenas pelos estudos que darão base concreta aos problemas relacionados aos índios guarani. Os estudos serão realizados de acordo com a Lei 6.001/73 e o Decreto 1.775/96. A presidência da Funai continuará mantendo o diálogo com o Estado, os municípios, o Ministério Público Federal e a União, no decorrer dos estudos e posteriores procedimentos administrativos a serem adotados na região. A etnia guarani é uma das maiores populações indígenas brasileira – em Mato Grosso do Sul passam de 40 mil – e possui o menor número de áreas regularizadas.

Em Alagoas, produtores realizaram uma série de protestos contra a criação de novas reservas. No dia 11 de agosto, integrantes da Associação dos Produtores de Juína (Apraju), no Mato Grosso, saíram em carreata na chamada “Marcha a Roraima”. O movimento, segundo o presidente da Apraju, Aderval Bento, teve como objetivo manifestar a indignação dos produtores rurais com a enxurrada de reservas indígenas demarcadas no Brasil e, principalmente, com a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol, em Roraima. “Querem transformar o Brasil numa grande aldeia”, diz.