Até mesmo a equipe de campo do Grupo Hiragami fica impressionada com a habilidade do fundador da empresa na colheita. Basta um rápido olhar e Fumio Hiragami identifica a maçã a ser apanhada, e as mãos executam a ação com a mesma agilidade. Boa parte dessa destreza vem da experiência de 48 anos na atividade – ele é o pioneiro no plantio da fruta em São Joaquim, na Serra Catarinense, onde está desde 1974 – e de sua peculiar disposição. “Estou com 73 anos, mas por dentro tenho uma idade jovem”, afirmou o empresário, que está sempre bem-humorado. Hoje, a companhia processa 15 mil toneladas de fruta por ano, é considerada líder no País em padrão de qualidade e virou referência mundial.

Marcos Hiragami, ao lado do pai Fumio, está se preparando para assumir os negócios quando o patriarca for para o conselho (Crédito:GABRIEL REIS)

O cultivo de maçãs do Grupo Hiragami é feito em 200 hectares, área extensa para os padrões da região, onde raramente as propriedades passam de 10 hectares. Os pomares dividem-se em variedades fuji (60%) e gala (40%), opções multiplicadas por diferentes clones, para atender exigências específicas de cada mercado. Todas, no entanto, devem ter sempre duas características primordiais: a coloração, que é o primeiro atrativo para o consumidor; e o sabor, que vem associado à crocância.

O principal mercado da empresa está na região Sudeste, sobretudo nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, onde a renda per capita é maior. O foco da produção é voltado à qualidade com preço justo, para conquistar espaço no mercado premium, e não para commodity. Exatamente por isso estão abrindo novas frentes em outras capitais, como Manaus e Belo Horizonte. Embora a exportação não seja uma ambição do grupo, cerca de 5% das maçãs Hiragami são vendidas para Ásia e Europa, muito mais como estratégia institucional, para valorizar a marca também fora do Brasil.

A agregação de valor vem também de outras formas. Santa Catarina conquistou a Indicação Geográfica (IG) por Denomiação de Origem para a Maçã Fuji da Região de São Joaquim, que envolve ainda os municípios de Bom Jardim da Serra, Urupema, Urubici e Painel. Os produtos Hiragami pegaram carona nessa conquista, assim como já havia acontecido com os vinhos. Sim, o grupo também cultiva uvas e produz cerca de 30 mil garrafas por ano, agora com IG dos Vinhos de Altitude de Santa Catarina. No caso, 1.427 metros, número que estampa os rótulos.

Para abastecer o mercado de maçãs durante os 12 meses do ano, a produção é congelada e armazenada em câmaras frias, e vai sendo processada gradativamente. Motivo pelo qual há sempre um número fixo de pessoas (140) trabalhando no packing house. Esse processo é necessário porque a colheita acontece apenas entre janeiro e maio, com maior movimetação de fevereiro a abril. Nesse período de safra, o número total de funcionários passa de 280 para 600.

A busca pela fruta ideal demandou investimentos em muita tecnologia, o que transformou a disposição e o manejo dos pomares. Atualmente, a produção está dividida meio a meio entre o sistema tradicional, com potencial de 700 pés por hectare, e o novo, que permite até 2,4 mil pés por hectare. A diferença de produtividade é de quase 3,5 vezes. Sem contar que na opção mais adensada, as frutas ficam mais concentradas, favorecendo a qualidade e a colheita, que é exclusivamente manual.

Maçãs colhidas entre janeiro e maio são congeladas, armazenadas em câ maras frias e processadas para irem ao mercado durante o ano todo

TECNOLOGIA As referências para modernizar a produção vêm de diversas fontes, resultado natural da inquietação de Fumio Hiragami para evoluir. “A agricultura é como esporte, precisa treinar todo dia. E quando está bom, precisa seguir praticando, até para ficar melhor”, disse. Para estimular esse ganho de performance, a empresa faz parcerias com diferentes istituições de pesquisa, como a Epagri, a Embrapa, universidades locais, além de empresas privadas. A exemplo da Ihara, que atende o grupo principalmente em proteção de cultivo. “Não apenas desenvolvemos produtos, mas temos a preocupação de levar informação para o agricultor. E precisamos estar no campo para entender suas necessidades”, afirmou o gerente de Marketing Regional da Ihara, Marcos Vilhena.

O radar também está voltado para soluções inovadoras que estejam dando resultados em outras propriedades ou até mesmo em outros países. Da Nova Zelândia veio a ideia do sistema de prateleira, também chamado de bidimensional, em que as plantas crescem apoiadas em uma estrutura fixa e as frutas ficam voltadas para um mesmo lado. De acordo com o engenheiro agônomo e diretor de operações da Hiragami, Celito Soldá, essa opção começou a ser testada em 2016, em apenas um hectare. Quatro anos depois havia sido ampliado para sete hectares. Em 2020, veio uma novidade dos Estados Unidos. “Vimos por lá um sistema de plantio em filas duplas que facilita o trabalho e também resolvemos testar”, disse.

Essa trajetória de evolução tecnológica, que passa por sistemas de manejo mais modernos, melhoramento genético, novos porta-enxertos, fertirrigação, plantio adensado, entre outros fatores, acaba subindo a régua da avaliação de desempenho. “O investimento também é maior em tudo isso, o que exige bastante cuidado nas tomadas de decisão. Como se trata de uma cultura perene, cada escolha vai durar pelo menos 20 anos”, afirmou Soldá. Até por isso, há mais cabeças pensando no negócio.

GESTÃO Perto de completar 50 anos à frente da empresa, Fumio Hiragami já pensa em desacelerar. “Quero ver se no máximo em dois anos eu fico só no conselho fiscal, por exemplo, e vou aproveitar um pouco mais, viajar, conhecer outros lugares”, disse o empresário, que é apaixonado por motos e planeja visitar países como Portugal, pela tradição na produção de vinhos. Essa tranquilidade se deve, entre outras coisas, ao fato de que há um novo diretor administrativo no grupo: seu filho Marcos Hiragami, que assumiu o cargo recentemente.

“É preciso muito cuidado ao investir, pois cada decisão vai durar cerca de 20 anos” Celito Soltá, Hiragami (Crédito:GABRIEL REIS)

Marcos é agrônomo e já havia trabalhado na companhia entre 2004 e 2008, depois buscou novas experiências. “A ideia era ficar fora no máximo cinco anos”, afirmou. Acabou ficando 13 anos na Souza Cruz. Segundo ele, um dos motivos de sua volta foi a preocupação com a administração da empresa. “Meu pai vinha tocando com o Celito, mas já havia a necessidade de mais gente para ajudar, para trazer algo diferente”. É um novo momento até mesmo para a relação entre pai e filho, que mudou bastante, e para melhor. “Conflito de ideias sempre vai existir. Concordamos muito no que deve ser feito, mas às vezes divergimos sobre como fazer. Agora é uma relação mais madura, mais equilibrada.”