Não está fácil a vida do produtor rural. Sua rotina lembra a parábola do velho bode na sala. Na história, um homem se queixa a um sábio que não aguenta mais as reclamações de sua família. Recebe como conselho, comprar um bode e colocá-lo na sala. Quando ninguém aguentar mais, ele tira o bode e a impressão que ficará é que os problemas anteriores sumiram. O bode para o agronegócio veio ainda em abril quando, ao anunciar dificuldades para obter R$ 2 bilhões como suplementação orçamentária para sanar problemas urgentes no campo, o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) criou uma desconfiança no mercado de que o Plano Safra 2022/23 poderia vir mais minguado do que o do ano anterior. “Embora esteja intensa a negociação entre a Agricultura, o Ministério da Economia e o Banco Central sobre o Plano Safra 2022/23, o fato é que ainda não foram destinados recursos necessários e urgentes para atender o agro”, afirmou na época Paulo Leal, presidente da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana). A expectativa não se cumpriu. O programa para a nova temporada trouxe recorde de crédito com R$ 340,9 bilhões para alívio de todos, mas os juros…

Em termos percentuais, o volume do Plano 2022/23 supera em 36% o destinado pelo governo na temporada anterior. Do bolo, 246,3 bilhões vão para programas de custeio e R$ 94,6 bilhões para investimentos, altas de 39% e 29% na mesma comparação. Até aí, o bode saiu da sala e todos sorriram. Exemplo de Márcio Lopes de Freitas, presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), que afirmou que o “plano está muito melhor do que o esperado”. Mas quando a apresentação do programa comandada pelo secretário de Política Agrícola, Guilherme Soria Bastos Filho, avança para o slide que mostra a divisão dos recursos por tipo de juros, o desconforto começa. Nesta temporada, o montante com taxas controladas pelo governo cresceu 18% para R$ 195,7 bilhões e o com juros livres teve incremento de 69% chegando a R$ 145,2 bilhões. Para o especialista de mercado da Safras & Mercado, Luiz Fernando Roque, o ideal é que fosse o contrário. “É um bom plano, mas poderia ser melhor se o crescimento dos recursos com juro controlado fosse maior que o do juro livre”, afirmou.

Do púlpito da cerimônia, o ministro do Mapa, Marcos Montes, tentou minimizar o problema. “As taxas de juros são compatíveis e inferiores às taxas de mercado, inferiores até à taxa Selic”, disse. É verdade, mas o que o dirigente esqueceu de dizer é que os juros não chegaram a 13,25%, mas que a alta foi significativa. No Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), considerado uma joia aos olhos do governo, a taxa subiu de 3% a 4,5% na temporada passada para 5% a 6%. A medida prejudica um grupo extremamente vulnerável, segundo a avaliação do analista de mercado da Scot Consultoria, Alcides Torres. “O produtor maior tem mais massa de manobra, mas a agricultura familiar não”, afirmou. No Moderfrota, o índice pulou de 8,5% para os atuais 12,5%. E nessa mesma linha seguem os programas ABC, o Pronamp, o Proirriga e os demais. As consequências, segundo Torres, podem ser nefastas. “Juros elevados podem levar a redução de investimentos e até perda de ganhos obtidos em anos anteriores.”

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REPASSES Os representantes do Banco do Brasil e do Sicredi, as duas maiores instituições em repasse de crédito para o agro, deram de costas para o impacto que o aumento da remuneração do dinheiro terá na rentabilidade do produtor. Em suas análises, focaram em apresentar o crescimento do volume de capital disponibilizado. Fausto Ribeiro, presidente do Banco do Brasil, foi taxativo. “Não faltarão recursos para os produtores alcançarem as 300 milhões de toneladas de grãos [meta desenhada pela então ministra da Agricultura, Teresa Cristina, para a safra que chega].” Para esta temporada, o Banco do Brasil, que segundo Ribeiro é responsável por 59% de todo o crédito rural no Brasil, disponibilizará R$ 200 bilhões, volume recorde que supera em 48% o apresentado no ano anterior.

Já o Sicredi anunciou que colocará R$ 50,6 bilhões à disposição dos mais de 6 milhões de produtores rurais associados durante a safra 2022/23. O valor é 33% superior ao liberado na última temporada, segundo o superintendente de agronegócios do Sicredi, Luís Veit. Para compor o valor total, a instituição vai utilizar mais recursos livres este ano. “Hoje é metade controlado sob regras do governo e metade livre. Mas os regulados devem participar com algo entre 40% a 45%, e os livres crescerem para algo entre 55% a 60% os livres”, afirmou o executivo.
O bode da ameaça da falta de crédito entrou e saiu da sala, mas o custo da bagunça deixado por ele quem pagará é, novamente, o produtor rural.