Uma inesperada movimentação agitou o agronegócio brasileiro no fim do ano passado quando a SLC Agrícola anunciou a intenção de compra da Terra Santa por R$ 550 milhões. A reação do mercado foi imediata: “Se bem sucedida, a SLC entregará cinco anos de aumento de área plantada em apenas um, o que é impressionante na nossa visão”, afirmou o Credit Suisse, em relatório. A análise do banco faz da operação uma boa metáfora para o que é esperado para a safra brasileira de 2020/2021: um desempenho impressionante, com a expectativa de que o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) ultrapasse o marco histórico de R$ 1 trilhão, contra o então recorde de R$ 885,8 bilhões de 2019/2020. Protagonista da transação que permitirá que a SLC se torne o maior grupo agrícola do Brasil, com uma área de aproximadamente 600 mil hectares, Aurélio Pavinato, CEO da empresa compradora, ressalta que mesmo em um ambiente tão promissor, os radares precisam ficar acesos. “Às vezes o produtor se empolga com cenários favoráveis, mas é importante fazer uma gestão mais rigorosa e assumir os riscos certos”.

A cautela é justificada. Muitas variáveis – algumas controláveis, outras não – podem ter impacto direto no desempenho geral desta e da próxima safra. Os gastos públicos, a redução do programa de transferência de renda com o fim do auxílio emergencial e o desgaste internacional do governo são alguns pontos que precisam ser monitorados, segundo Felippe Serigati, coordenador do mestrado em Agronegócio da FGV. “É preciso acompanhar de perto como esses itens vão interferir na economia brasileira para que o produtor se prepare para minimizar possíveis impactos no negócio”, afirmou. O teto de gastos para 2021 é de R$ 1,5 trilhão, dos quais R$ 1,4 trilhão já estão comprometidos. A sobra de R$ 100 bilhões pouco pode contribuir com qualquer eventualidade – os gastos com a Covid-19 no ano passado, por exemplo, superaram os R$ 400 bilhões, agravando a dívida pública.

“A reforma tributária ameaça trazer mais gastos para o setor, o que seria um contrasenso” João Martins CNA (Crédito:Divulgação)

Um dos riscos dessa equação para o agro é que, diante do cenário, o governo tome decisões para aumentar receitas e não para reduzir os custos. “A reforma tributária ameaça trazer mais gastos para o setor, o que seria um contrasenso, já que o País é o segundo maior produtor do mundo e o setor tem participação relevante na formação do PIB”, afirmou João Martins, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Estudo da entidade indica que, pelos textos apresentados da reforma, o valor do que é desembolsado pelo produtor para o pagamento de impostos hoje pode ter acréscimo de até 23,6%. Em paralelo, o auxílio emergencial de R$ 600 distribuídos à população durante a pandemia foi interrompido e, como o recurso foi usado majoritariamente pelas famílias para a compra de alimentos, uma redução na demanda interna não está descartada. Mas, nada será tão simples neste ano. Caso a economia aqueça, como aponta a previsão do FMI de crescimento de 3,6% do PIB, o produtor terá o que comemorar.

“Não há país no mundo com uma pecuária de baixo carbono como o Brasil e com leis ambientais tão rigorosas” Felippe Serigati FGV (Crédito:PATRICIA)

Se o consumo dentro das fronteiras ainda é uma incógnita, no mercado externo não há dúvidas de que a demanda seguirá bastante aquecida, o que, por si só, já exigirá uma alta entrega de mercadorias rurais. “De cada US$ 10 em vendas ao exterior feitas pelo Brasil, US$ 5 são de produtos do agro”, disse Lígia Dutra, superintendente de Relações Internacionais da CNA. Novos aumentos se darão tanto pelos pedidos vindos de mercados já tradicionais como a China, como pela demanda de mercados abertos no ano passado: no total, 30 novos países entraram para a lista de destinos, e mais 100 produtos do campo passaram a compor o portfólio de exportação. Dentre eles, material genético avícola para o Marrocos; gergelim para a Índia; e melão in natura para a China. O trabalho de diversificação continuará com novas opções na mira.

Atualmente, o País exporta para mais de 170 mercados, sendo que os cinco principais responderam por cerca de 60% dos US$ 100,8 bilhões embarcados em 2020, segundo a CNA. São eles: China, União Europeia, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul. Ao olhar para esse ranking, o produtor deve se lembrar de acompanhar de perto o que acontecerá na China, nos Estados Unidos, na relação entre os dois países e deles com o Brasil. “A gente não sabe como será a postura da administração Biden diante da China, mas sabemos que, se eles voltarem aos níveis de comércio anteriores ao governo Trump, o Brasil pode perder mercado”, disse Sérgio De Zen, diretor-executivo de Política Agrícola e Informações da Conab. Some à lista os impactos que a reputação de um país pouco comprometido com o meio ambiente podem ter junto à Europa.

“Às vezes o produtor se empolga com cenários favoráveis, mas é importante fazer uma gestão mais rigorosa e assumir os riscos certos” Aurélio Pavinato SLC Agrícola (Crédito: Kelsen Fernandes)

SUSTENTABILIDADE A postura do Planalto diante de questões ambientais anda tirando o sono do produtor, pois já prejudica relações comerciais relevantes. O conflito com o bloco europeu está dado com a paralisação do acordo com o Mercosul. O receio para 2021 é que, pelos mesmos motivos, as transações com os EUA possam ser afetadas. “Ainda que o país seja um dos mais poluidores do mundo com sua indústria de carvão, por exemplo, a decisão do atual presidente americano Joe Biden de fortalecer a agenda de sustentabilidade, pode prejudicar o agro brasileiro”, disse De Zen. Essas ameaças desagradam empresários, produtores e até acadêmicos, pois, segundo eles, a reputação do Brasil é, em parte, injusta. Mas, falta apoio de Brasília para defender o setor. “Não é uma simples narrativa, é fato: não há país no mundo com uma pecuária de baixo carbono como o Brasil e com leis ambientais tão rigorosas, mas não se fala disso”, afirmou Serigati, da FGV. A mancha na imagem vem da atuação dos ilegais que se valem da impunidade para continuar no mercado.

“Se os EUA voltarem aos níveis de comércio anteriores ao Trump, o Brasil pode perder mercado” Sérgio De Zen Conab (Crédito:Divulgação)

Ao seu lado nessa batalha para provar, por meio de dados, que as commodities nacionais estão em conformidade com as políticas ambientais dos países compradores, os agropecuaristas têm a tecnologia. Com rastreabilidade é possível comprovar quais propriedades agem a favor da preservação da biodiversidade e contra as mudanças climáticas. Postura que passou a ser relevante até para o planejamento financeiro. “O crédito estará muito mais ligado à sustentabilidade. As novas fontes de capital exigem indicadores de uma atuação cada vez mais responsável e nem adianta mais pensar em ficar na dependência do governo”, afirmou Joacyr Costa Filho, membro do Comitê Executivo do Grupo Tereos. Em meados do ano passado, a companhia captou US$ 150 milhões, em uma operação global, vinculados à índices de sustentabilidade que envolvem redução de água e de Gases de Efeito Estufa (GEE), aumento da certificação de cana-de-açúcar e melhoria na pontuação dos critérios ESG – que avaliam a interação de uma empresa com o meio ambiente, com a sociedade e sua conformidade perante a elevados padrões de governança.

“Com a maior área plantada de soja do planeta, a expectativa é de uma grande safra. Já o milho brasileiro ainda vai ganhar muito espaço” Bartolomeu Braz Aprosoja (Crédito:Weimer Carvalho)

Ainda que a agenda de sustentabilidade seja um desafio relevante para 2021, a agropecuária vem fazendo sua parte. Uma evidência é que novos recursos vindos da economia verde estão cada vez mais disponíveis para o campo brasileiro, como o mercado de títulos verdes que movimentou cerca de US$ 14 bilhões de 2015 a 2020 somente no Brasil, sendo 39% no último ano – a maior parte para empresas relacionadas à agroindústria. Sem ações comprovadamente responsáveis perante ao ambiente, esse capital não estaria disponível para ser acessado.

INFRAESTRUTURA É também por meio de novas tecnologias da agricultura de precisão que o agricultor começa a melhorar os resultados positivos de sua propriedade. Em recente entrevista à RURAL, Greg Meyer, executivo que lidera a frente global de tecnologia da Syngenta, foi categórico: “o produtor rural brasileiro está entre os mais arrojados e tecnológicos do mundo”.

Consciência de que esse é o caminho para aumentar a produtividade, o produtor tem. Recursos em caixa para investir na próxima safra, também. Já quanto às ferramentas para auxiliar o campo com essas novas demandas, o Brasil possui. O que falta, então? Conectividade no campo.

Atualmente, apenas 30% das propriedades rurais têm conexão com a rede, segundo o ConectarAgro, movimento composto pela iniciativa privada para minimizar o problema. “Os produtores investem cada vem mais em tecnologia, mas a internet tem que chegar ao campo”, afirmou Bartolomeu Braz, presidente da Aprosoja.

Uma solução institucional pode estar a caminho. Em novembro, o Senado aprovou projeto de lei que atualiza a legislação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). De acordo com o texto, os recursos passam a poder ser usados para financiar programas que levem serviços de telecomunicações para zonas rurais.
Se o projeto sair do papel, um provável resultado será o aumento exponencial na produtividade brasileira, que, a despeito dos desafios, teve um salto consistente nos últimos 40 anos: 303,8%. O número é resultado do aumento de 506% na produção de grãos no período, ante avanço de apenas 64,2% na área plantada, de acordo com a Conab. “Não apenas estamos produzindo mais, como estamos produzindo melhor. A produtividade de grãos, em geral, saltou de 1.267 para 3.849 kg por hectare no período analisado”, disse Samuel Guerreiro, diretor de marketing da Brandt do Brasil, empresa de nutrição vegetal.

Do lado de fora da porteira, o velho problema da logística continua a comer as margens do campo. Em média, o produtor brasileiro paga três vezes mais do que seus concorrentes argentinos e americanos para transportar as mercadorias aos portos.

NOVA SAFRA Com a parte que lhe compete feita, o produtor ainda se beneficiou do câmbio favorável à exportação e do aumento do preço de diversas commodities na Bolsa de Chicago. De acordo com o Rabobank, a combinação dos dois fatores melhorou as margens da safra 2019/2020 do milho e da soja que estavam projetadas para ficar entre 2% e 10% abaixo da média dos últimos 10 anos e que, em outubro, foram revisadas para 7% e 20% acima da mesma média, levando-se em conta o estado de Mato Grosso. Para a safra 2020/2021, as perspectivas são ainda melhores. A projeção da margem sobre o custo direto para as duas culturas apontam para percentuais ao redor dos 50%, bem próximos aos maiores valores vistos nos últimos 10 anos.

Com o cenário favorável, estimativas da Conab para os grãos indicam mais uma safra de produção recorde em volume com 264,8 milhões de toneladas, em uma área de 67,1 milhões de hectares. Na safra 2019/2020, a produção somou 257 milhões de toneladas, em área de 65,9 milhões/ha. A soja e o milho vão puxar o desempenho. “Com a maior área plantada de soja do planeta, a expectativa é de uma grande safra. Já o milho brasileiro ainda vai ganhar muito espaço”, afirmou Braz, da Aprosoja.

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Na pecuária, a estimativa é de um ano bastante similar a 2020. “Esperamos a manutenção da forte demanda por proteína animal no mercado externo, devido às consequências da Peste Suína Africana (PSA) na Ásia e da ocidentalização da dieta na mesma região, o que está levando a um aumento no consumo de carne”, disse Luis Xavier Rojas, diretor-presidente da Zoetis Brasil, que vê no aumento da rentabilidade do pecuarista o incentivo necessário para que o mercado de saúde animal siga aquecido.

Mesmo os efeitos da PSA e da Covid-19 podem impulsionar a indústria: “A pandemia colocará o aspecto de sanidade animal como uma prioridade dos mercados e nosso País é extremamente seguro. A previsão de que o Brasil será o celeiro de alimentos do mundo é mais verdade do que nunca”, afirmou Marco Dalalio, diretor da Agener União, unidade de saúde animal da União Química.

“As novas fontes de capital exigem indicadores de uma atuação cada vez mais responsável” Joacyr Costa Grupo Tereos (Crédito:Divulgação)

Para os setores não alimentícios, que sofreram no início da pandemia com a determinação de isolamento social, o ano passado foi de superação, enquanto a próxima safra deve ser com menos intempéries. “O mercado de celulose foi muito atípico com queda nos papéis gráficos, mas aumento dos papéis sanitários e de embalagens devido ao crescimento do e-commerce”, disse Marcelo Bacci, diretor-executivo de Finanças e de Relações com Investidores da Suzano. A próxima temporada seguirá com a manutenção do consumo de celulose entre 1 milhão e 1,5 milhão de toneladas, também impulsionado pela China, e de um mercado que tende a se descolar cada vez mais do papel gráfico para continuar a crescer.

Em céu de brigadeiro, no entanto, é a falta de nuvens que preocupa e tira o sono do produtor. Em ano de La Niña, a instabilidade climática já provocou atrasos no plantio da safra de soja na região Sul, o que provocará uma pressão sobre o calendário da segunda e terceira safras. A insegurança é se a produção do ano será inteira ou quebrada. A CNA segue otimista e indica que, mesmo com a instabilidade dos céus, o impacto na safra não será significativo. Ainda assim, uma pitada de contribuição externa não faria mal: “Espero que Deus nos ajude”, afirmou Martins, presidente da entidade.