Encontrar uma forma de reduzir os gargalos logísticos para exportar a crescente produção de soja é um dos principais desafios enfrentados pelos empresários do agronegócio da região Centro-Oeste. Atualmente, 45% dos 48 milhões de toneladas da oleaginosa exportadas pelo Brasil são oriundas da região. Uma alternativa para o escoamento dessa produção seria uma saída pelo Oceano Pacífico. No papel ela já existe. Conhecido como Rota Bioceânica ou Rota do Pacífico, o projeto de ligar a América do Sul à Ásia vem sendo estudado há três décadas. Nos últimos anos, com o apagão logístico no País e o esgotamento dos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR), o assunto volta à tona. É possível viabilizar essa alternativa?

Para responder à pergunta, um grupo de transportadores e empresários de Mato Grosso do Sul, liderados pelo Sindicato dos Transportadores de Cargas e Logística do Estado (Setlog), organizou no mês passado uma expedição com 90 representantes, incluindo a participação de políticos do Estado, para tentar viabilizar uma rota interligando o município de Corumbá, na divisa com a Bolívia, às cidades marítimas de Arica e Iquique. “Temos duas opções de Rota do Pacífico, uma saindo pela Bolívia e outra pelo Paraguai”, diz Claudio Cavol, presidente do Setlog. “Ambas nos trariam uma redução importante nos custos do frete.” O problema de transportar pelo Paraguai é que, apesar de o trajeto ser de 1,8 mil quilômetros de estrada, ante 2,7 mil quilômetros pela Bolívia, há um trecho de 450 quilômetros não asfaltado, bem como a necessidade de construção de uma ponte sobre o rio Paraguai, na divisa dos países, na altura do município sul-mato-grossense de Porto Murtinho.

Atualmente, grande parte da soja que sai das lavouras dos municípios produtores do entorno de Campo Grande, como Dourados, tem como destino principal a Ásia. Dos 5,8 milhões de toneladas produzidas, Mato Grosso do Sul exporta dois milhões de toneladas, 80% dos quais vão para o continente asiático. Para ser embarcada, a soja percorre 1,2 mil quilômetros por estradas até o terminal Paranaguá, périplo que dura seis dias. Pelo porto de Santos o trajeto é 100 quilômetros menor.

Na teoria, pela Rota do Pacífico, o tempo de entrega da oleaginosa no porto é até maior, com dois dias a mais de viagem. Contudo, ao ser embarcada no navio, a vantagem é uma economia de mais de cinco mil  quilômetros náuticos, ou 12 dias de viagem por mar, por navegar pelo Oceano Pacífico, e não pelo Atlântico, para chegar à Ásia. “Levar a soja pelo Pacífico seria a melhor opção para economizar no frete”, diz Cavol. No entanto, o que sempre impediu que o projeto saísse do papel foram as condições das estradas, a burocracia alfandegária e a estrutura dos portos chilenos. Foi para verificar os eventuais avanços na supe ração desses três quesitos que o comboio da Setlog pôs o pé na estrada, partindo de Campo Grande, passando pela Bolívia, até chegar ao Porto de Iquique, no Chile. “A Bolívia foi a rota escolhida por já possuir estradas totalmente asfaltadas até o Chile.”

Durante o trajeto, que durou uma semana, o grupo, dividido em 26 caminhonetes a diesel, logo notou que na prática nada era como havia sido planejado, começando pela aduana na divisa do Brasil com a Bolívia. Mesmo estando com a documentação pessoal e dos veículos em dia, a comitiva levou quase seis horas para receber a permissão de entrada no país vizinho. É pouco, perto dos três dias geralmente enfrentados por caminhoneiros brasileiros e bolivianos que transportam produtos industrializados no Brasil para o país vizinho, mas não deixa de ser um transtorno e tanto. Segundo Luiz Henrique Rodrigues, participante da expedição e dono da transportadora KM, de Campo Grande, será difícil convencer um motorista que transporta grãos a fazer o mesmo. “Depois que o primeiro motorista encarar as precárias condições da estrada e nas divisas e contar a seus colegas, ninguém aceitará trabalhar nessa rota”, diz Rodrigues.

Além dos problemas de fronteira, os motoristas brasileiros enfrentariam em 95% do trajeto a escassez de locais para descanso. Mas o principal entrave é o abastecimento dos caminhões. O governo boliviano subsidia o combustível para os caminhoneiros do País, enquanto os estrangeiros não têm o benefício. Um boliviano, por exemplo, paga R$ 1,30 por litro de diesel, ante R$ 3,40 dos demais, valor 48% acima do diesel brasileiro, que possui muito mais qualidade. O empresário Airton Dall’Agnol, dono da Lontano Transportes, em Campo Grande, diz que só vai encarar a rota pela Bolívia se for economicamente viável. De acordo com Dall’Agnol, o frete médio de Campo Grande a Santos custa atualmente em torno de R$ 135 por tonelada de soja. “Somente faria esse trecho se me pagassem o triplo, porque as seguradoras da carga nos cobrariam a mais e os motoristas também.”

Mesmo com entraves, Cavol acredita que os primeiros testes com cargas possam acontecer em um ano. Segundo ele, resta saber se os portos chilenos se adequariam nesse tempo para receber a soja brasileira. Dos portos do país andino, apenas o complexo de Arica exporta grãos atualmente. Com uma movimentação de três milhões de toneladas por ano, o porto enfrenta dificuldades na estrutura de estocagem, transporte e carregamento de grãos. Mas, como afirma Sebastian Montero, vicepresidente do Terminal Portuário de Arica (TPA), o porto já começa a se preparar para investir na estrutura de armazenagem. “Estamos interessados em melhorar nosso processo de movimentação de granéis, com a construção de armazéns e de um terminal exclusivo para grãos, também de olho na demanda brasileira”, diz Montero. “Se tudo correr bem, em três anos o complexo estará concluído.”

PARCERIA TRÍPLICE O porto de Iquique, a 160 quilômetros de Arica, também conta com planos de expansão e criação de terminais para atender à exportação de cereais. Juan José Ramirez Nordheimer, gerente de administração e finanças da Empresa Portuária de Iquique (EPI), garante que o complexo pretende investir US$ 350 milhões na construção de um terminal graneleiro com capacidade para movimentar oito milhões de toneladas de grão por ano até 2016. “Não temos filas de caminhões e vamos deixar os processos ainda melhores”,  diz Nordheimer.

Uma opção para viabilizar a rota seria modificar a gestão da carga transportada, fechando uma parceria tríplice entre transportadores brasileiros, bolivianos e chilenos. O tema foi discutido na chegada da comitiva brasileira à cidade de Iquique. Pela parceria, os brasileiros fariam o transporte dos grãos até Corumbá e os colocariam em armazéns. Os transportadores estrangeiros, por sua vez, assumiriam a carga de Corumbá até os portos do Chile. “Esta é a opção menos arriscada, pois a transportadora que estiver com a carga assume toda a responsabilidade pelo processo”, diz Eduardo Henriques, proprietário da transportadora chilena Valenzuela, com sede em Iquique. “E todos saem ganhando.”

No Brasil, algumas fabricantes do setor de transportes rodoviários estão interessadas em acompanhar as discussões sobre a Rota do Pacífico, entre elas a sueca Scania, de caminhões, e a brasileira Noma, de carretas e implementos. A primeira, que já detém 46% do mercado sul-mato-grossense, acredita que a exposição dos caminhões nos países vizinhos amplie o interesse dos compradores estrangeiros. “É uma oportunidade para aumentarmos nossa atuação na Bolívia e no Paraguai” diz Fredrik Wrange, vice-presidente de economia e finanças da Scania na América Latina. A Noma, por sua vez, prevê até a abertura de revendedores de seus produtos nesses países. “Tanto a Bolívia quanto o Chile têm restrições aos implementos usados no Brasil, como o bitrem, por exemplo”, diz Marcelo Noma, diretor da empresa. “Com essa aproximação, podemos encontrar soluções que agreguem eficiência aos nossos produtos.”