Fronteira com o Estado de São Paulo, o município mineiro de Frutal, com 58,8 mil habitantes, já foi conhecido como a terra da jabuticaba, por causa da quantidade de pés da fruta na beira de riachos. Hoje, outra fruta reina soberana, com direito a coroa própria. Nos últimos dez anos, o abacaxi se tornou o símbolo da região. No distrito de Aparecida de Minas, por exemplo, quem chega pela rodovia Transbrasiliana, a BR-153, se depara com um monumento da fruta, em concreto, de 3,4 metros de altura.

Idealizador: o produtor Marcelo Martins, de Aparecida de Minas, foi o grande responsável por reunir os produtores da região sob o sistema de cooperativismo (Crédito:Divulgação)

Isso para lembrar ao visitante que não restam dúvidas: ele está na terra do abacaxi, município que responde por 24% da produção mineira da fruta. Hoje, são 251,4 mil toneladas colhidas em 7,9 mil hectares. “O abacaxi já está bem arraigado da cultura do município, com direito a festa anual da fruta em meados de julho”, diz o fruticultor Luiz Júlio Dias Vieira, 36 anos, do sítio Flor de Lis, de 68 hectares, e presidente da Cooperativa de Produtores Rurais de Aparecida de Minas e Região (Coopercisco). A cooperativa foi criada neste ano e reúne 22 agricultores. Junto com os municípios vizinhos Monte Alegre de Minas, Canápolis, São Francisco de Sales e Centralina, a região da qual Frutal pertence, produz 204,9 mil toneladas, volume equivalente cerca de 80% do abacaxi do Estado. Mas o grupo quer ir além de ser um marco da produção. O plano é agregar valor e até exportar a fruta. “Vamos estruturar toda a cadeia para ganhar mais com o abacaxi.”

A Coopercisco reúne os campeões em produtividade. Colhem, por hectare, 36 toneladas de fruta. Isso é muito abacaxi. Minas Gerais, por exemplo, é o campeão de produtividade no País, colhendo 32 toneladas por hectare. No Brasil, a colheita de 1,8 milhão de toneladas no ano passado rendeu 26 toneladas por hectare. A criação da cooperativa veio para dar um passo além: eles querem também mais sustentabilidade financeira. Vieira diz que, individualmente, os produtores estavam deixando de saborear o potencial máximo da fruta. No ano passado, a safra mineira rendeu R$ 358,1 milhões. O valor é 14,8% dos R$ 2,4 bilhões da receita do abacaxi no País, segundo o IBGE. Os produtores, na média, receberam R$ 1,35, por quilo da fruta, em todo o País. Mas não foi o que aconteceu aos integrantes da Coopercisco. Na média, receberam R$ 0,88 por quilo, 53,4% a menos. O faturamento do grupo foi de cerca de R$ 10,5 milhões, com uma quebra de 30% de safra. A primeira tarefa é zerar essa defasagem. Com mais e melhores frutas, a meta do grupo é acessar o mercado internacional nos próximos dois anos. Neste ano, o quilo do abacaxi exportado tem sido de US$ 0,64, cerca de R$ 2. “Esse é nosso grande interesse”, diz Vieira. O plano dos produtores tem fundamento. Minas Gerais é líder no comércio exterior da fruta. No ano passado, o Estado exportou 1,5 mil toneladas, 47,8% do abacaxi vendido pelo País. A receita foi de US$ 875,8 mil, 11,5% a mais que em 2015, indo mais para a Argentina, a Espanha e a República Tcheca.

Agregação de valor: para o fruticultor Luiz Júlio Dias Vieira, presidente da Coopercisco, o plano é poder ganhar mais estreiando no mercado de exportação (Crédito:Divulgação)

Para Luiz Roberto Barcelos, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) e sócio da Agrícola Famosa, em Mossoró (RN), a maior produtora e exportadora de melões do mundo, os mineiros têm grande chance de se saírem bem na tarefa. “O Brasil é o terceiro do mundo na produção de todas as frutas, mas na exportação perde de países menores, como o Chile”, diz ele. O país andino, conhecido por suas uvas e maçãs, exporta 2,6 milhões de toneladas, 52% de sua produção. Já o Brasil exporta apenas 814,6 mil toneladas, 2% do que colhe. Mas ele dá uma dica precisa para alavancar os resultados e amadurecer essa cadeia. “É preciso que os produtores viagem para conhecer o que se produz em outros países e as suas tecnologias”, diz Barcelos. “Com, isso o produtor aumenta a sua cultura de exportação e é bom para a melhoria das práticas agrícolas.”

A história da formação da cooperativa começou há dois anos. Na época, o agricultor Marcelo Martins, 39 anos, dono da fazenda Bebedouro e Piancor, de 97 hectares, conheceu o sistema de cooperação a partir do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). “Participei de uma palestra que mostrou como o sistema ajudou produtores como eu”, diz Martins. “Vi que era disso que precisávamos. Sós, não chegaríamos a lugar algum”.

Sabor dos resultados: pela primeira vez, o produtor Milton Agripino da Silva experimenta a equalização de preços enquanto Márcia Hely Paula Rodrigues (abaixo) prova o gosto da redução de custos na lavoura de abacaxi (Crédito:Divulgação)

Martins foi a gênese da Coopercisco, com a ajuda do Sebrae-MG. Com a cultura de cooperação, os produtores reduziram em 30% o gasto com um dos agroquímicos para induzir a floração da planta. O produto, que custava R$ 3,7 mil por balde de 50 quilos, no balcão, na compra conjunta baixou para R$ 2,6 mil. A produtora Márcia Hely Paula Rodrigues, 44 anos, da fazenda Cerradão, de 40 hectares, diz que jamais teria a mesma chance negociando sozinha. Cultivando o abacaxi há 24 anos, Márcia pertence a uma terceira geração de produtores. “Nós, agricultores, somos persistentes, por isso a gente carrega o Brasil nas costas”, diz ela. Além do poder de barganha, os produtores experimentam, pela primeira vez, a equiparação de preços, colocando por terra a máxima de que pequeno produtor recebe menos. Cooperado, Milton Agripino da Silva, 46 anos, que arrenda quatro hectares para o cultivo da fruta, agora passa a ganhar como um produtor grande. “Não tinha expectativa de bons preços. Aceitava o que pediam para não perder a venda”, diz Silva. Ele já teve de vender abacaxi por cerca de R$ 0,50 por quilo.

Divulgação

Além do apoio do Sebrae, que já investiu no grupo cerca de R$ 118 mil, desde 2015, com uma programação de cursos de gestão, daqui para frente a cooperativa também vai contar com mais ajuda. Os pesquisadores da Universidade Estadual de Minas Gerais vão avaliar qual manejo pode garantir o melhor ganho de produtividade. Já a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, o braço de extensão agrícola do Estado, está ajudando o grupo a obter a certificação estadual de produção. Joana Corrêa, analista do Sebrae para a região de Frutal, diz que a pesquisa é o caminho mais curto para o sucesso da cooperativa. “Esses produtores têm tudo para crescer e serem competitivos.” Para o administrador de empresa, Afonso Maria Rocha, diretor superintendente do Sebrae-MG, os investimentos nesse tipo de projeto têm retorno certo. “Todas as nossas ações têm como objetivo gerar valor para os pequenos negócios e para a sociedade”, diz Rocha. “Nossa parceria com esses produtores está permitindo avanços nesse sentido.”

Divulgação

Professor Pardal 

O produtor Wagner Guidi, 55 anos, é para o abacaxi o que o Professor Pardal, personagem de ficção criado em 1952 por Carl Barks, é para o universo Disney. Ambos são a expressão máxima do grande inventor. Guidi e Pardal partilham da habilidade de tornar tarefas rotineiras bem mais fáceis de serem feitas. A diferença, para a sorte dos produtores de Frutal, é que a história de Guidi não é uma ficção. “Em meados de 2005, as ferramentas que tínhamos era um pulverizador costal e um carrinho de mão para distribuir o adubo”, diz ele.

Divulgação

Guidi, que cultivava abacaxi, uniu os seus conhecimentos de mecânica, adaptando numa moto um sistema de aplicação de defensivos. Foi o primeiro protótipo de sua motoagro, já patenteada. Há mais 11 pedidos de patentes. Entre as máquinas há plantadeiras e equipamentos que ajudam no plantio manual e na adubação. Sua ambição é criar uma colhedeira de abacaxi. A produção já chegou a 170 unidades e gerou uma receita de R$ 270 mil. As máquinas foram vendidas a produtores de Minas Gerais, Maranhão, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul. Elas chamam a atenção até de produtores de países asiáticos, como Taiwan e Malásia. “Eles me acharam pelo Facebook”, diz Guidi. “Jamais pensei que essas máquinas pudessem ir tão longe.”