As vastas áreas verdes e de vegetação baixa que caracterizam o bioma Pampa ocupam dois terços do Rio Grande do Sul e vão até onde a vista alcança. Nelas, a pecuária encontrou o cenário perfeito para prosperar. Quase todo o gado gaúcho, de um total de 13 milhões de animais, está no bioma. Em 2016, a pecuária de corte deve movimentar R$ 3,9 bilhões, a quarta maior atividade do agronegócio local, segundo dados da Federação da Agricultura do Estado. “O Pampa é a nossa galinha dos ovos de ouro. É de onde vem a nossa melhor produção”, afirma João Paulo Schneider da Silva, diretor comercial da Gap Genética, uma das mais tradicionais propriedades do Rio Grande do Sul, com sede em Uruguaiana. Ela está nas mãos da família de Eduardo de Macedo Linhares, 87 anos, desde 1906. “Para nós, preservar o bioma é fundamental”, diz Schneider da Silva, genro de Linhares.

No mês passado, Schneider da Silva saiu da fazenda São Pedro e viajou a Porto Alegre, a 600 quilômetros, para participar de uma cerimônia aguardada desde 2014: o lançamento do programa Alianza del Pastizal, no qual estão 24 pecuaristas do  Pampa que vão vender a carne de seu gado com um selo da entidade. A sinergia entre os animais e a preservação do bioma foi o ponto de partida para a parceria que também envolve a rede varejista francesa Carrefour e o grupo Marfrig Global Foods, terceiro maior processador de carnes do mundo. “Temos nessa parceria um importante componente de qualidade, com animais criados com respeito ao bem estar”, diz Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade do Carrefour no Brasil. “As boas práticas no campo começam a ser valorizadas pelo mercado”, diz Mathias Almeida, diretor de Sustentabilidade do Marfrig.


DIVERSIDADE: para o coordenador da Alianza del Pastizal no Brasil, Marcelo Fett Pinto, o bioma Pampa é tão rico quanto o bioma Amazônia

As empresas buscaram a chancela da Alianza del Pastizal porque a entidade, que nasceu em 2006, tem como meta a preservação do bioma, ao mesmo tempo em que estimula a pecuária sustentável no Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O selo Alianza del Pastizal, que foi para o mercado no mês passado, está presente em 20 cortes de carne, como picanha, contra-filé e fraldinha. Servem, para isso, apenas bovinos de raças europeias angus, hereford e seus cruzados brangus e braford. A Gap Genética, em cinco mil hectares, possui um rebanho de seis mil fêmeas na reprodução e um abate anual de quatro mil bovinos. Silva está negociando quantos animais entregará para o selo. “A carne proveniente de um local que respeita o meio ambiente tem um valor diferenciado”, diz Schneider da Silva. “O consumidor tende a valorizar isso.”

Para participar da Alianza del Pastizal os produtores devem atender vários critérios, entre eles o de criar os animais exclusivamente no pasto. Além disso, 50% da área total da propriedade deve ser campo nativo, ou Pampa. O Código Florestal prevê apenas 20% da área como Reserva Legal. Marcelo Fett Pinto, engenheiro agrônomo e coordenador da Alianza del Pastizal no Brasil, diz que as regras vão além da legislação brasileira porque elas foram estabelecidas para os quatro países onde há o bioma Pampa. Além do Brasil, a Argentina, é a mais adiantada no processo e já possui um selo, o Uruguai está começando a formatar um programa e o Paraguai ainda não tem planos nesse sentido. “O programa é uma proposta dos produtores de preservar o bioma Pampa”, diz Fett Pinto.  “No caso do Brasil, ele é como a Amazônia do gaúcho.” A comparação não é à toa. O Pampa, que à primeira vista parece monótono e pouco diverso, esconde uma riqueza digna de floresta: são três mil espécies de plantas, 500 espécies de aves silvestres e 100 espécies de mamíferos. Mas vem perdendo a batalha contra a sua preservação. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bioma tem a segunda maior área desmatada entre os cinco existentes no Brasil: 9,5 milhões de hectares, 54% da área total. Só perde para a Mata Atlântica, com 88%.

A carne, com selo que mostra uma boiada no pasto, será vendida em duas lojas do Carrefour de Porto Alegre. Mas o potencial é grande. Pianez, da rede varejista, diz que o projeto é levar o produto para todo o País, em cerca de 250 lojas do grupo. “À medida que a demanda crescer, ampliaremos as vendas para as demais regiões”, diz ele. “Queremos extrapolar as fronteiras gaúchas.” O abate inicial é de 50 animais por mês, o que rende 15 mil quilos de carne. 

Entregues ao Marfrig, por enquanto, a empresa diz que não dará ao produtor nenhuma bonificação para os animais abatidos, embora essa seja a principal demanda dos criadores nos programas de fidelidade. Mas Mathias Almeida, diretor de Sustentabilidade do grupo, diz que ela não está descartada.  “Vamos oferecer ao consumidor um produto de qualidade, não uma carne commodity”, afirma ele. “Com o mercado reagindo, a etapa seguinte é a remuneração da cadeia.” De acordo com o Marfrig, no entanto, hoje os pecuaristas não estão descobertos. Todos os produtores da Alianza del Pastizal têm perfil para fazer parte dos programas de carne de qualidade de suas associações. No caso da angus, eles podem receber uma bonificação de até 10% sobre o preço da arroba do boi gordo, para o hereford o bônus chega 8%. “Com o selo, os produtores podem fortalecer o nome de suas propriedades”, diz Almeida. “E passam a ter um canal constante para a sua carne.”