Todos os dias, o professor de educação física Paulo Franchi ordenha 30 vacas, em seu sítio Santa Clara, em Patrocínio Paulista, no interior de São Paulo. A produção de 300 litros de leite é entregue à Cooperativa Nacional Agro Industrial (Coonai), de Franca, município da região. O sítio de Franchi, da quarta geração de uma família de produtores de leite e café é pequeno, com apenas 30 hectares, mas tem uma importância gigantesca para o País. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 77% das propriedades rurais são negócios familiares que garantem mais de 60% dos alimentos consumidos. Daí a escolha de Franchi e de mais 117 pequenos e médios produtores da região de Franca e Ribeirão Preto, ligados à Coonai, que fazem parte do primeiro projeto de crédito de carbono do País, baseado na recuperação de áreas de matas ciliares em cursos d’água. Em português claro: mata de beira de rio.

Em dezembro do ano passado, o projeto foi apresentado à Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), que fará o encaminhamento junto ao Conselho Interministerial, em Brasília. Fazem parte do conselho 11 ministérios encabeçados pelo de Ciência e Tecnologia, responsável por aprovações de projetos dessa natureza. “Estamos esperando pela resposta do presidente da OCB, Márcio Lopes de Freitas, para sabermos qual será o próximo encaminhamento”, diz o agrônomo Amilcar Alarcon Pereira, coordenador do projeto e dono da FS Consultoria, de Franca.

O projeto que está sob o grande guarda-chuva batizado de MDL – sigla para Modelo de Desenvolvimento Limpo – é muito simples: as propriedades recuperam áreas de beira de rios, em seguida são certificadas e depois oferecidas no mercado mundial de compensações para amenizar os gases de efeito estufa. No entanto, a execução é complicada porque depende da organização dos produtores para cumprir as exigências legais. A partir daí, eles estão aptos a vender os créditos no mercado e assim se capitalizar e recuperar as áreas de matas ciliares. “O projeto funciona como uma roda que gira, até o dinheiro chegar na mão do produtor”, diz Pereira. “A partir do momento queestiver em movimento, todos ganham.”

Um dos quatro grupos de produtores que integram o projeto, o de Franchi começou a se organizar há um ano. Faz parte da cartilha a legalização da propriedade, o georreferenciamento e as práticas de bom manejo e administração do negócio. Para realizar o trabalho de orientação aos produtores foi fechada uma parceria com o Serviço de Apoio à Pequena e Média Empresa (Sebrae), que desenvolve nas propriedades um projeto próprio chamado Agro Sustentabilidade Sebrae. “A função do Sebrae é de orientação de como se adequar”, diz Pereira. “Alguns produtores já estão bem adiantados, por conta própria, mas a maioria não.” Franchi, por exemplo, começou a adequar a propriedade há mais de cinco anos porque sua intenção inicial era certificar a produção de café. “A certificação hoje é uma garantia para a venda do grão”, diz Franchi. “Se vamos ter a possibilidade de entrar no mercado de crédito de carbono, melhor ainda.” O produtor finalizou o diagnóstico de gestão do sítio, fez o georreferenciamento e diz que a próxima etapa é construir um corredor ecológico que vai ligar a área de preservação permanente (APP) com a área de reserva legal. “Sempre fomos vistos como o patinho feio da sociedade, mas acho que agora essa pecha pode cair”, diz Franchi.

De acordo com Eduardo Lopes de Freitas, presidente da Coonai, o projeto atual faz parte de um esforço da cooperativa em aproveitar as oportunidades de negócio. Há oito anos, a Coonai tentou implantar um sistema de biodigestores para utilizar os dejetos dos animais na produção de energia elétrica. Segundo Freitas, na época, a intenção era entrar no mercado de carbono, mas não foi em frente pela inviabilidade econômica para colocar os biodigestores nas pequenas propriedades. Só compensava para quem tivesse pelo menos 500 vacas, enquanto a média entre os associados da cooperativa não chegava a 50. “Agora é diferente”, afirma Freitas. “O Código Florestal exige uma nova postura, os produtores querem uma melhor gestão nas propriedades. Tudo indica que o mercado de carbono vai deslanchar na próxima década.”