É quase impossível passar pelo quilômetro 210 da rodovia Anhanguera, no interior de São Paulo, e não enxergar a gigante garrafa de cachaça Pirassununga 51. São 14,7 metros de altura, por quatro metros de largura, em frente à fábrica da Companhia Müller de Bebidas, que tem como herdeiros os empresários Benedito e Luiz Augusto Müller. A garrafa imponente traz à memória o slogan “uma boa ideia”, mote da campanha criada em 1978, que ficou na cabeça dos brasileiros e transformou a 51 na marca de cachaça mais popular do Brasil. A empresa, que faturou R$ 680 milhões em 2016, espera crescer 4% neste ano e fechar o período com uma receita de R$ 702,2 milhões. Mas agora apostando mais no mercado premium da bebida e não apenas em sua versão popular. Entre elas está a cachaça Reserva 51 Carvalho Americano, lançada no começo deste ano. “Esta cachaça é voltada para o segmento de produtos finos e mais sofisticados”, diz Ricardo Gonçalves, diretor superintendente da Müller. “Estamos concorrendo diretamente com o uísque.” A tarefa de ganhar esse mercado não é fácil, já que o brasileiro aprendeu a apreciar o destilado importado, principalmente o americano. Em 2016, de acordo com o Mapa, foram 26,7 milhões de litros, por US$ 78,4 milhões. Não há dados sobre o volume de cachaça premium consumida no País, mas para ter uma ideia desse universo, elas estão no setor das bebidas de alambique. Embora nem todas sejam premium, os alambiques produzem 280 milhões de litros por ano, 20% da producão nacional de 1,4 bilhão de litros. Esse setor fatura R$ 7,5 bilhões por ano, de acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac).

” Há um nicho importante para a cachaça envelhecida, além da artesanal e da orgânica” Andrea Restrepo, consultora
do Sebrae

Para continuar no topo do mercado popular e ganhar a elite de bebedores que apreciam as marcas premium, a partir deste ano a Müller conta com mais um trunfo. Dos 58 anos de mercado, pela primeira vez em sua história a companhia, fundada por Guilherme Müller Filho, que morreu em 2005 aos 84 anos, está produzindo toda a cana-de-açúcar utilizada no processamento da cachaça. Estão sendo colhidas 630 mil toneladas de cana própria, 6% acima da safra passada. De acordo com o engenheiro agrônomo Daniel Augusto Peressinoto, gerente agrícola da empresa, são nove mil hectares de cultivo, dos quais 7,7 mil hectares de cana no ponto de colheita. O resto da área é de reforma do canavial. “O volume de cana colhido nessa safra será suficiente para produzir 104 milhões de litros de aguardente”, diz ele. A atual capacidade de moagem é de 650 mil toneladas de cana por safra, muito acima das 180 mil toneladas de 1985, ano da primeira moagem com cana cultivada pela família. Antes disso, ela era toda comprada.

Linha de Produção: pela primeira vez, a fábrica da Müller está moendo apenas cana própria para produzir cachaça (Crédito:Claudio Gatti)

Os Müller acreditam que podem avançar sobre o mercado premium porque estão produzindo uma bebida diferenciada. Eles estão envelhendo toda a cachaça top de linha em barris de carvalho de primeiro e único uso. É o mesmo método usado pelos americanos do Estado do Kentucky para envelhecer o bourbon, o tipo mais popular de uísque do país. “O foco é o consumidor de bom gosto”, afirma Gonçalves. A produção de bebida superior da Müller começou em 2009, com a criação da linha Reserva 51. Na época, foram colocadas três versões no mercado, chamadas de Única, Rara e Singular. Todo o processo, da escolha da cana até as diferentes formas e tempo de envelhecimento, é controlado. A Única, por exemplo, é envelhecida em barris de carvalho no início do processo e finalizada em barris de vinho. Segundo a analista da Unidade de Negócios do Sebrae, Andrea Restrepo, o consumo per capita anual de cachaça no Brasil é de 10,5 litros. “Cerca de 70% deste consumo, o equivalente a 7,3 litros por pessoa, ocorre em restaurantes e bares”, diz Restrepo. “Há um nicho importante para a cachaça envelhecida, além da artesanal e da orgânica.” Para ela, o consumo de produto premium deve crescer porque há uma tendência de harmonização de experiências gastronômicas com pratos específicos. “Os sommeliers dos restaurantes têm hoje a missão de criar cartas de cachaça e introduzir o destilado brasileiro nessas tendências.” A cachaça é a bebida mais consumida no País e ocupa o terceiro lugar entre os destilados no mundo, atrás do uísque e da vodka.

Por conta disso, a Müller também aposta nas vendas externas. As bebidas premium já ganharam diversos prêmios no Exterior, como a medalha Gran Ouro, a mais alta condecoração do Concurso Mundial de Bruxelas, em 2016, e também foi Ouro no Spirits Selection de 2014, importante concurso mundial de destilados, com cerca de 200 marcas na páreo. “A cachaça é uma bebida exótica para os consumidores de fora do País”, afirma Gonçalves. “Esse público ainda associa a bebida com a caipirinha e com os coquetéis de frutas.” Mas a empresa quer mudar esse costume lá fora. Hoje, a Müller exporta para 52 países e responde por 60% do total do produto vendido pelo País no exterior. Ela não divulga o volume, mas espera crescer 20% neste ano.

Daniel Peressinoto: para o gerente agrícola, é possível produzir ainda mais (Crédito:Claudio Gatti)