O Brasil, com seus mais de 300 milhões de hectares de terras agricultáveis, dos quais apenas 68 milhões de hectares são cultivados atualmente, tem se tornado cada vez mais um país estratégico para as grandes empresas globais, como é o caso da alemã Bayer CropScience, braço de agronegócio do Grupo Bayer. No início de setembro, a divisão, que no ano passado faturou cerca de US$ 10,7 bilhões no mundo, com a venda de agroquímicos e de sementes de algodão, arroz, canola e hortaliças, anunciou que vai estrear no mercado de sementes de soja. Segundo a consultoria americana Phillips Mcdougall, o mercado mundial de defensivos é estimado em US$ 47,4 bilhões e, o de sementes e biotecnologia, em US$ 49,2 bilhões. “Estamos extremamente interessados na soja”, disse o irlandês Liam Condon, presidente da Bayer CropScience, em entrevista na sede da empresa em Monheim, na Alemanha. Condon também anunciou que as sementes a serem apresentadas ao mercado serão de variedades transgênicas, entrando na Seara ocupada por gigantes como as americanas Monsanto e DuPont. Segundo ele, a previsão é criar a marca Credenz, em 2014, para batizar todas as variedades de soja da Bayer. No Brasil, o lançamento está previsto para acontecer a partir de 2015. “Vamos entrar na cultura da soja com um investimento maciço em inovação e desenvolvimento”, afirma Condon.

Para a Bayer, a decisão pela transgenia é baseada na demanda do mercado. No início dos anos 2000, quando a biotecnologia engatinhava no Brasil, as áreas de cultivo não chegavam a ocupar cinco milhões de hectares. Em pouco mais de uma década, as variedades de soja transgênica são quase obrigatórias no campo, permitindo aos agricultores brasileiros economia no uso de defensivos agrícolas, água e combustível. Na safra passada, as variedades transgênicas de soja ocuparam 21,3 milhões de hectares, área equivalente a 85% do cultivo da oleaginosa no País, além da forte presença no milho e no algodão. Consultorias de mercado como a Safras & Mercados, de Porto Alegre, e a Céleres, de Uberlândia (MG), já apresentaram suas previsões para a safra 2013/2014 que começa a ser plantada no próximo mês. Os grãos transgênicos devem ocupar acima de 26 milhões de hectares, mais de 90% da área prevista para a soja. Pelos dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA), somente entre 2011 e 2012, o plantio de transgênicos no Brasil aumentou 21%, atingindo uma área recorde de 36,6 milhões de hectares de soja, milho e algodão, mais que o triplo do avanço dos transgênicos no mundo. Globalmente, o crescimento foi de 6%, para 170,3 milhões de hectares. Atualmente, a Bayer detém uma participação insignificante, inferior a 1%, no mercado mundial de sementes transgênicas de soja. Segundo Mathias Kramer, executivo responsável pela estratégia global da empresa, a meta é conquistar uma participação de mercado de dois dígitos em até dez anos. “Sabemos que somos pequenos nesse mercado, mas, como a agricultura precisa de novas variedades, nós estamos investindo”, diz Kramer. “O mercado de sementes é a nossa prioridade mundial, mas o foco é a América Latina.”

Para tentar um lugar ao sol entre os grandes do mercado de sementes no Brasil, a Bayer já vinha se preparando havia cerca de três anos, com aquisições. A multinacional comprou a unidade de sementes de soja da agrícola Wehrmann e sua divisão de melhoramento genético, a Wehrtec, ambas de Cristalina, em Goiás, a Soytech, de Goiânia, e a CRV Plant Breeding, de Rio Verde (GO). No Paraná, em Cascavel, a Bayer passou a controlar o banco de germoplasma da Melhoramento Agropastoril, uma unidade de conservação de material genético.

Para Alfonso Alba, responsável mundial pelo negócio de sementes de soja da Bayer, as aquisições vão permitir alavancar o crescimento da área, devido à pouca variabilidade genética de soja no mercado. “Estamos buscando novas características e vamos combinar tecnologias para desenvolver as nossas soluções”, afirma Alba. Com o investimento em genética, no futuro a produtividade pode chegar a dez toneladas por hectare, mais do que o triplo da média vigente no Brasil e nos Estados Unidos, os dois maiores produtores mundiais da oleaginosa.

O que norteou o interesse da Bayer CropScience pelo mercado de transgênicos é a lacuna que começa a surgir com o possível esgotamento das tecnologias disponíveis ao produtor. Na última década, reinou absoluta nas plantações a soja RR1 (Roundup Ready). Patenteada pela Monsanto, a tecnologia é a principal fonte de receita da empresa, que fatura em todo o mundo cerca de US$ 12 bilhões por ano. A soja da Monsanto é resistente ao glifosato, um herbicida capaz de matar várias pragas da lavoura e que tem perdido sua eficácia. Segundo Condon, em 2011, 34% das propriedades rurais nos Estados Unidos estavam infestadas por ervas daninhas resistentes ao glifosato. Em 2012, foram detectadas mais de dez espécies invasoras resistentes ao herbicida, em 50% da área cultivada americana. “A resistência é um problema que está crescendo exponencialmente”, disse Condon. “A solução passa pela diversificação da tecnologia e pelo manejo responsável.”

A Bayer CropScience vai disputar o mercado de sementes transgênicas resistentes a herbicidas com outras gigantes do setor, como as concorrentes Syngenta, Basf e Dow Agro Sciences, que têm prometido novidades para os próximos anos. Na área de defensivos, sua principal aposta é o glufosinato de amônio, um composto que se mostra como uma alternativa ao uso do glifosato. Por isso, a Bayer vai investir cerca de?US$ 436 milhões para construir uma fábrica em Mobile, no Alabama (EUA). A unidade será o maior projeto de expansão física da empresa e deve iniciar a produção desse ingrediente ativo em 2015. “Estamos confiantes de que haverá um crescimento da demanda desse composto e teremos capacidade para abastecer o mercado”, diz Condon. Por enquanto, a Bayer produz o glufosinato em uma fábrica na Alemanha e em outra nos Estados Unidos.

Segundo o cientista Hermann Stuebler, chefe de pesquisa de controle de plantas daninhas da Bayer, antes da popularização do glifosato, havia pelo menos 80 opções de herbicidas no mercado. “Hoje há menos de 20 herbicidas disponíveis aos produtores”, diz ele. “Mas estamos num momento de virada, precisamos desenvolver novas moléculas e compostos.” A Bayer CropScience deve fechar 2013 com uma receita de cerca de US$ 11,9 bilhões.