O vazamento de uma minuta do relatório da PEC emergencial, que traz medidas de contenção de despesas, com uma permissão para furar o teto de gastos expôs a disputa política em torno da tentativa de ampliar despesas e mostrou que o fantasma da flexibilização da regra fiscal ainda assombra a equipe econômica.

O teto é a regra que limita o avanço das despesas federais à inflação. Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, ele é a superâncora de credibilidade fiscal do País. Para a ala política do governo e parte do Congresso Nacional, o limite é na maioria das vezes um entrave às suas pretensões de ampliar gastos que beneficiem seus redutos eleitorais.

A minuta obtida pelo Estadão/Broadcast previa que investimentos em infraestrutura e gastos de combate à pobreza bancados com receitas hoje paradas em fundos públicos poderiam ser executadas fora do teto pelo período de um ano após a aprovação da PEC. O texto foi repassado à reportagem por uma das lideranças que participam das negociações.

“A desorganização segue dando as cartas na agenda econômica”, disse o economista Guilherme Tinoco, que é autor de uma proposta para mudança no teto de gastos a partir de 2023, em conjunto com o também especialista no assunto Fabio Giambiagi. Para ele, o pior caminho é por um rompimento do teto de maneira “atabalhoada”.

A divulgação da notícia azedou o humor dos investidores e deflagrou reação imediata do Ministério da Economia, que se posicionou contra qualquer flexibilização no teto, mesmo que temporária. O relator da PEC emergencial, senador Marcio Bittar (MDB-AC), também divulgou nota afirmando que “está fora de cogitação” qualquer mudança nesse sentido. Ele ligou para Guedes na tarde de ontem negando a medida e enviou uma versão do texto sem o furo no teto.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, porém, a minuta que continha a flexibilização foi enviada aos líderes a pedido do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Seu conteúdo foi confirmado por técnicos do Congresso. Após a má repercussão, o discurso que passou a ser adotado é que o parágrafo que mudava o teto constava em uma versão antiga do parecer da PEC dos fundos públicos, relatada por outro parlamentar e que agora foi incorporada por Bittar.

O impasse em torno do parecer mostrou que não há consenso sobre o texto, com pressões ainda maiores por causa da disputa política pela sucessão de Alcolumbre no comando do Senado. O atual presidente teve suas pretensões de reeleição para o posto frustradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que barrou a candidatura dele e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Apesar das negativas de Bittar e do Ministério da Economia, fontes do governo admitem ao Estadão/Broadcast que a discussão sobre uma eventual flexibilização no teto deve retornar em fevereiro, após eleição para as mesas da Câmara e do Senado. Há uma avaliação que as discussões estão contaminadas pela “temporada” de eleições e pela busca de apoio para viabilizar candidaturas.

Para integrantes da área econômica, a notícia atrapalhou o fechamento positivo do mercado após a decisão do STF. O dólar praticamente zerou a queda, o Ibovespa, principal índice da B3, a Bolsa paulista, passou a cair assim que a informação foi divulgada.

Mudar teto

Há um grupo grande no Senado que quer a mudança no teto de gastos, e a ideia seria discutida em reunião prevista para esta sexta-feira com Alcolumbre. Dentro do próprio governo também há defensores desse caminho. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o Ministério do Desenvolvimento Regional é uma das pastas que vinha tratando do tema com o Congresso Nacional e já dava como “combinado” a exceção concedida às despesas bancadas com receitas desvinculadas.

Há a preocupação de auxiliares do presidente Jair Bolsonaro de que o aperto causado pelo teto de gastos atrapalhe sua popularidade, minando as chances de o presidente chegar “vivo” na corrida eleitoral de 2022.

Pela versão do texto obtida pela reportagem, as receitas desvinculadas poderiam ser usadas em projetos e programas voltados à erradicação da pobreza (como o Bolsa Família ou seu eventual sucessor), investimentos em infraestrutura, ações de revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, iniciativas de segurança nas fronteiras e projetos de pesquisa.

Pela minuta apresentada ontem, os fundos públicos de União, Estados e municípios criados até 31/12/2016 serão extintos, se não ratificados por lei complementar até o fim do 2º ano após a aprovação da PEC. Essa extinção não se aplica a fundos constitucionais ou destinados à prestação de garantias.

Os recursos de fundos públicos têm destinação específica e não podem ser usados para bancar outras despesas. No entanto, na prática, esse dinheiro acaba ficando parado na conta única do Tesouro, uma espécie de “conta corrente” onde está depositado o dinheiro do governo federal. (Colaborou Thaís Barcellos)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.