Uso de sensores infravermelhos permite eficiência na pulverização localizada

O surgimento do Sistema de Posicionamento Global, mais conhecido como GPS, no início do século XX, foi o principal marco para a inserção da agricultura de precisão (AP) no Brasil. A tecnologia de posicionamento, que é popularmente utilizada para enviar informações de localização para um dispositivo móvel em tempo real, hoje dispõe de inúmeras funções e aplicabilidades. Além de ser usado em veículos para que o condutor possa se localizar, receber informações sobre a rota e chegar ao seu destino, o GPS, atrelado a um conjunto de ferramentas e tecnologias aplicadas, permitiu o desenvolvimento de um sistema de gerenciamento agrícola baseado na variabilidade espacial e temporal da unidade produtiva, dando origem a equipamentos que trazem informações muito mais precisas e minuciosas do que o homem é capaz de enxergar.

A importação de máquinas agrícolas com sistema de mapeamento da produtividade das lavouras de grãos e de aplicações de georreferenciamento em meados da década de 1990 foi o primeiro passo para que as atividades no campo começassem a ser conduzidas com mais precisão. Era o impulso que faltava para o início do processo de inovação das ferramentas voltadas para AP, que pudessem reunir inteligência artificial, analytics e big data. Segundo Ricardo Inamasu, presidente do comitê gestor do portfólio de automação, agricultura de precisão e digital da Embrapa, a prática no Brasil está mais madura e proporciona ao agricultor soluções como a aplicação inteligente de fertilizantes e corretivos em taxa variável, que leva em consideração produtividade, características do solo, infestação de ervas daninhas, doenças e pragas. “A agricultura de precisão ajuda na aplicação dos manejos adequados”. Embora muito se fale sobre esse conjunto de técnicas de apoio à agricultura, o presidente do comitê acredita que há pouco questionamento sobre quem deveria usá-las. Segundo Inamasu, a primeira pergunta que deve ser feita ao possível usuário é se realmente há a necessidade – como relevantes variações no solo – , pois caso não existam tantas irregularidades, o investimento na tecnologia pode ser em vão.

O sistema holandês WEED-IT não precisa de internet

 

Ter a possibilidade de enxergar além do alcance é o grande trunfo da agricultura de precisão e pode ser um aliado de indústrias e do produtor moderno. As fotografias captadas por drones (imagens em RGB – vermelho, verde e azul) e satélites (imagens multiespectrais, com até 12 bandas de luz) são processadas com o uso de algoritmos específicos, calibrados com tecnologia hiperespectral – capaz de obter imagens que detectam detalhes com um espectro de até 40 bandas de luz, que gera uma gravura rica em informações, retratadas em cores. As imagens hiperespectrais também permitem identificar detalhes sobre as condições fisiológicas de solo e plantas, assim como possíveis fenômenos que afetam o seu desenvolvimento. A Gamaya Brasil, empresa provedora de informações digitais para AP, faz uso de mapas que parecem obras de arte para analisar minuciosamente o campo. “As cores possuem uma assinatura espectral, e cada uma delas identifica algo. Quanto mais vermelho, mais falhas no solo ou ervas daninhas, e quanto mais verde, menos a presença destes”, disse Silvio Santos, consultor de negócios sênior da empresa. A partir do momento em que a foto é captada via satélite ou drone, a Gamaya faz o diagnóstico que leva de 48 a 72 horas para ser finalizado. Em seguida, são disponibilizados relatórios em uma plataforma digital. “O responsável acessa as informações on-line, toma a decisão e vai para o campo com os relatórios abertos de forma off-line”, afirmou Santos.
Atualmente utilizadas no Brasil para as culturas de cana-de-açúcar e de soja, a análise das imagens com assinatura espectral ajuda usinas e produtores a obterem melhor rendimento. A Usina Batatais, localizada na cidade de mesmo nome no interior de São Paulo, adotou a tecnologia no começo deste ano e já sente os efeitos. “Com o diagnóstico preciso estamos com um leque maior de possibilidades para melhorar as questões de manejo do solo, incluindo a adubação”, afirmou Leandro Borges Lima Zei, analista de inteligência e inovação agrícola da usina. O retorno financeiro pode ser de um para três, podendo chegar a dez vezes, de acordo com a Gamaya. Outro ganho é o aumento de produtividade. A tecnologia proporciona economia de tempo, redução do uso de insumos agrícolas e, de quebra, colabora para a preservação do meio ambiente. “A questão da sustentabilidade já vem junto com a AP”, afirmou Santos.Tecnologia de pulverização localizada a partir do uso de sensores infravermelhos também é uma das possibilidades disponíveis aos produtores. A Smart Sensing trouxe para o Brasil o sistema holandês WEED-IT que pode ser utilizado em qualquer tipo de cultura. “O equipamento é formado por sensores que identificam a clorofila das plantas e acionam a pulverização apenas sobre as que precisam do insumo”, disse Marcos Nascimbem Ferraz, engenheiro agrônomo e mestre em engenharia de sistemas agrícolas da empresa. A economia dos produtos utilizados pode ser superior a 95%. “Uma pulverização mais eficiente afeta diretamente o custo de produção, aumentando a lucratividade da lavoura”, afirmou Ferraz. Além disso, o pulverizador funciona conforme a movimentação das máquinas, sem a necessidade da geração de mapas ou de qualquer comunicação com plataformas on-line. Para Fábio Luiz Brustolin, técnico agrícola de uma das unidades de cultivo de soja e milho do Grupo Spekken, localizado em Maracaju (MS), essa inteligência que foi implantada no final de 2018 com o objetivo de dissecar e preparar a cultura de soja gerou economia entre 70% e 90% no uso de produtos em todas as unidades. “Além de mantermos uma boa produtividade, os resultados também estão ajudando na redução do impacto ambiental”, afirmou Brustolin.

Ricardo Inamasu: o mercado de agricultura de precisão está mais maduro (Crédito:Flávio Anselmo Faria Ubiali)

MERCADO Apesar dos benefícios gerados com o uso das ferramentas de agricultura de precisão e da aceleração do processo da digitalização, a adoção das inovações avança a passos de tartaruga no território brasileiro. Ferraz acredita que um dos motivos para a expansão lenta é o valor inicial do investimento, que aumenta o receio do agricultor. “O valor é relativamente alto, apesar do retorno já começar a ser sentido no curto prazo”. Para o executivo, o padrão da insegurança se quebra quando ele tem contato com algum outro produtor que já testou em sua propriedade. “O boca a boca é indispensável”, afirmou. Quando o diagnóstico é feito e os problemas que impedem uma melhora de produtividade são revelados, o que antes era visto como um custo, passa a ser visto como uma ferramenta voltada para a economia de recursos.

Com o aumento da demanda, aumenta a oferta. A Gamaya Brasil, que está no País há quatro anos, está em seu primeiro ano comercial. Em seu portfólio de clientes, a empresa somava cerca de 20 usinas em fase de demonstração do produto até o começo de 2019, agora conta com uma média com 60 usinas. Nem a pandemia deu trégua para o crescimento. “Na agricultura não tem pandemia, tem algumas barreiras, mas de forma geral ela é solitária”, afirmou Santos, que tem expectativas positivas quanto a expansão da tecnologia. A Smart Sensing Brasil, que se instalou no País em 2016, também aposta nas boas novas para a agricultura de precisão, apesar das vendas estarem mais lentas. “No primeiro ano não vendemos praticamente nada, apenas umas 3 máquinas. Mas a cada ano que passa esse número duplica”, disse Ferraz, que acredita que o anúncio do Plano Safra ajudará no financiamento das novas tecnologias e fará com que o setor se desenvolva.

Não são só as novas empresas que estão de olho no potencial do mercado. No último mês de agosto a Basf lançou oficialmente no Brasil a xarvioTM Field Manager, ferramenta de mapeamento digital de plantas daninhas. Durante a fase de testes na safra 2019/2020, a tecnologia permitiu a agricultores de 100 propriedades reduzirem em média 61% o uso de herbicidas no controle de plantas daninhas resistentes e de difícil controle. Para obter os resultados, um drone registra mais de sete imagens em alta resolução por hectare, material que é transformado em dados e informações para a gestão de recursos. Com a entrada da Basf, o mercado aquece e os consumidores ganham já que a empresa decidiu abrir uma versão básica com funcionalidades gratuitas em um aplicativo mobile.

As cores possuem assinatura espectral que identificam de falhas no solo à daninhas