Quando um ataque de gafanhotos devastou lavouras de soja no sul do País, em agosto de 1947, um avião do aeroclube do município de Pelotas foi usado para aplicar produtos de combate à praga. O fato é considerado o início da aviação agrícola no País. Desde então, ela se tornou um instrumento necessário para o gerenciamento sanitário das lavouras. Mas, com a demanda por defensivos cada vez mais ecologicamente corretos, a atividade passa por um novo desafio: é preciso afinar as regras que regulamentam o setor. “A segurança da aplicação aérea vem sendo questionada por órgãos ambientais e pela sociedade”, diz o professor Ulisses Antuniassi, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Botucatu, que está coordenando o projeto Certificação Aeroagrícola Sustentável (CAS). A partir deste mês, a CAS começa a avaliar empresas de aviação agrícola e deve habilitar 75% das 231 empresas registradas no País, até 2017.

Participam com a Unesp o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) e a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), que estão investindo cerca de R$ 1,5 milhão no projeto. também integram o projeto as universidades federais de Lavras e Uberlândia, ambas em Minas Gerais. As universidades vão certificar as empresas que passarem por três etapas: análise da situação legal, capacitação de funcionários e vistoria das aeronaves e da estrutura de apoio. “O objetivo é que a certificação gere uma melhoria contínua nos serviços”, afirma Antuniassi. Entre as prioridades está a minimização do risco de deriva, que é a dispersão de agroquímicos além da área determinada para a aplicação, provocada por erro de cálculo ou vento inesperado. Para o gerente de educação da Andef, José Annes, o projeto vai contribuir para a formação dos profissionais. “Os cursos de capacitação ainda deixam a desejar”, diz Annes. “Com a certificação, vamos ensinar as melhores práticas e o uso de novas tecnologias.”

Enquanto isso, o Ministério da Agricultura (Mapa) está revisando a legislação que regulamenta a pulverização aérea no País. Segundo Luís Gustavo Pacheco, coordenador de mecanização e aviação agrícola do Mapa, o setor é regido por um decreto-lei de 1969 e por outro de 1981, que davam à União a competência da fiscalização. No entanto, a lei de aplicação de agrotóxicos, de 1989, dá também aos Estados licença para fiscalizar o setor. “Há pontos conflitantes na legislação”, diz Pacheco. “Por isso, é preciso modernizá-la.” Até dezembro, um grupo de trabalho, que está sendo coordenado por Pacheco, vai apresentar uma proposta de projeto de lei para o setor. “O objetivo principal é revisar as obrigações das empresas e as competências dos órgãos fiscalizadores.”

O Brasil possui a segunda maior frota do mundo, com mais de 1,8 mil aviões agrícolas e um movimento de R$ 900 milhões, atrás apenas dos Estados Unidos, com 10 mil aeronaves. No País, acidentes como o ocorrido em julho, no município de Rio Verde, em Goiás, têm levado o setor a receber severas críticas. Naquele mês, uma aplicação aérea realizada nas proximidades de uma escola rural fez com que crianças e professores sofressem uma intoxicação causada por defensivo.

Em muitos casos, porém, os produtores rurais também não sabem o que fazer. No ano passado, um vaivém nas liberações de agroquímicos por parte do Ibama causou insegurança para o setor. Primeiro, o órgão proibiu o uso de defensivos que contivessem quatro substâncias – Imidacloprido, Tiametoxam, Clotianidina ou Fipronil –, alegando que esses produtos são nocivos a abelhas. Meses depois, o Ibama voltou atrás e liberou o seu uso.

Segundo o presidente do Sindag, Nelson Paim, as críticas ao setor têm aumentado nos últimos três anos. “Os ambientalistas elegeram a aviação agrícola como o maior vilão para o uso de agroquímicos, mas essa é a única modalidade de pulverização regulamentada e com legislação específica”, diz Paim. “Vamos mostrar à sociedade que a aviação agrícola será cada vez mais sustentável, segura e fundamental para a agricultura.”